“Poucas universidades têm pesquisa e, destas poucas, a grande parte está na iniciativa privada.” A frase inaugural de Bolsonaro sobre ciência, tão distante dos fatos, já deixava entrever o difícil relacionamento do seu governo com as universidades federais.
O Brasil, um dos últimos países do continente a inaugurar uma universidade, figura entre os 15 maiores produtores de conhecimento do mundo, sendo que mais de 90% da nossa pesquisa é feita por instituições públicas. É evidente que temos desafios a enfrentar. As agências de fomento à pesquisa, por exemplo, só recentemente passaram a considerar indicadores de impacto e nossa produção até aqui cresceu mais em quantidade do que em qualidade.
A obsessão de Bolsonaro em cortar recursos de bolsas e projetos de pesquisa, entretanto, não parece promissora. A interação entre ciência e tecnologia, sem dúvida, precisa ser fortalecida. O registro de patentes precisa avançar num ritmo maior. O caminho, contudo, não é transformar a universidade numa prestadora de serviços, substituindo o setor público pelo setor privado como fonte de financiamento. O “Future-se”, assim, acena com mais autonomia, mas é seu extremo oposto, além de ser um modelo claramente limitado.
É o dinheiro público que financia a pesquisa universitária em quase todo o mundo. Um estudo recente da Associação Americana para o Avanço da Ciência sobre a origem dos recursos para pesquisa nas universidades mostrou que 60% são provenientes do governo, 25% da própria instituição, 9% de outras fontes e apenas 6% das empresas.
A diferença é que as empresas americanas investem recursos próprios nos seus departamentos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) que recebem, adicionalmente, recursos públicos por meio de subsídios diretos e indiretos e encomendas do aparato militar. O governo deveria prestar mais atenção ao modelo da Embrapi que, inspirada no exitoso modelo da Embrapa, já mostra bons resultados.
Com menos visibilidade, ocorre com a ciência brasileira aquilo que o governo promove no campo da cultura com mais estardalhaço. O movimento subjacente é o mesmo. Ciência e cultura são esferas em que se exercita a liberdade, tanto quanto isso seja possível na nossa sociedade.
A liberdade intelectual e artística incomoda governos autoritários, não apenas pelo desafio que representa mas pela força regenerativa que tem. Aos ataques às universidades somam-se os ataques ao Inpe, à Ancine, ao Sesc, à Lei Rouanet, ao IBGE, ao ICMBio etc. Aberração destrutiva que se processa sob os olhos complacentes dos outros poderes da República.
Fernando Haddad é professor universitário, ex-ministro da Educação (governos Lula e Dilma) e ex-prefeito de São Paulo.
Publicado originalmente na Folha de S. Paulo