Nestes dias, me veio à mente uma história ocorrida entre 1993 e 1996, quando eu era vereador em Cariacica, no Espírito Santo. Um grupo de parlamentares procurou a bancada do PT, à época formada por mim e dois outros companheiros, para propor o afastamento do prefeito Aloísio Santos (PSDB).
Naquele momento, a base aliada na Câmara havia rachado e, sem o apoio da oposição, não tinha maioria na Casa. Por isso, um grupo de vereadores, descontentes com o prefeito, veio pedir o nosso apoio ao impeachment. Os nobres edis nos apresentaram um documento onde só faltavam três assinaturas para ser protocolado. Ou seja, a nossa adesão era o que eles precisavam para abrir o processo.
Dissemos que só assinaríamos o pedido caso nos mostrassem os atos de corrupção para justificar tal ação. E indagamos: quais foram os atos ilícitos praticados pelo prefeito?
Eles apresentaram motivos pífios e respostas evasivas – parecidos com os argumentos da oposição, hoje, contra a presidenta Dilma, na Câmara dos Deputados.
Concluímos, então, que se tratava de armação, tentativa de golpe para atender aos interesses de um grupo em detrimento da população local, que já havia assistido àquela cena algumas vezes.
Diante da nossa negativa o grupo ainda insistiu várias vezes: “Só faltam três assinaturas para pedirmos o afastamento do prefeito. Vocês são da oposição. Vocês não vão assinar?”
Reafirmamos o “não” porque não apresentaram justificativa que fundamentasse o pedido. Não cedemos à sanha golpista do grupo. Nossa bancada se manteve na oposição ao prefeito até o fim do mandato, mas sempre em defesa dos interesses da população.
Eu não imaginava que, duas décadas depois, fôssemos vivenciar uma história parecida com a presidente do nosso país, eleita democraticamente pelo povo, e que não responde a nenhum processo por corrupção e nem é investigada por ato ilícito. Hoje, a oposição, liderada pelo senhor Eduardo Cunha, age como no passado: aposta no cenário do “quanto pior melhor” lidera processo de impeachment sem provas e, mais do que fazer oposição ao governo, trabalha contra a democracia, a favor do golpe e faz oposição ao Brasil.
Mas há uma diferença fundamental entre esses dois momentos: em Cariacica, na década de 1990, houve responsabilidade da oposição, que agiu de maneira republicana. Infelizmente, não podemos dizer o mesmo daqueles que fazem oposição ao nosso país hoje.
Essas narrativas não são casos isolados. Infelizmente, temos muitos exemplos assim no Brasil. Casos semelhantes evidenciam as distorções do sistema eleitoral e a baixa qualidade da representação política no país. Em uma democracia, é legítimo e necessário que haja o contraditório, mas é preciso que os partidos e as lideranças políticas sejam capazes de estabelecer consensos em tomo dos projetos estratégicos para as cidades, os estados e a nação.
Quando os interesses de grupos estão acima das necessidades da população, e a luta pelo poder atropela os princípios éticos e democráticos, é sinal de que precisamos rever atitudes. Não podemos concordar com idéias e práticas que ameaçam e fragilizam a democracia brasileira. É a eleição que legitima a conquista do poder, não o golpe.
(Artigo inicialmente publicado no jornal “O Globo”, no dia 18 de dezembro de 2015)
Helder Salomão é deputado Federal (PT-ES)