No início da noite de 27 de fevereiro deste ano, um grupo de ciclistas descia uma das principais ruas de um bairro pobre da Zona Norte quando foi cercado por três jovens. Apenas um conseguiu furar o cerco. Os demais foram agredidos e derrubados.
As câmeras de controle de trânsito flagraram toda a ação dos bandidos, que, calmamente montaram nas bicicletas roubadas, enquanto o biker que conseguira escapar se distanciava. Contudo, as imagens da CET não registraram quando ele, poucos metros adiante, perdeu o equilíbrio e caiu junto ao meio-fio.
Na frente de pedestres e dos amigos assaltados, ele foi declarado morto pelos paramédicos as 19h30m. Tinha apenas 15 anos. Causa da morte: uma facada no coração, desferida quase imperceptivelmente por um dos bandidos.
O delegado encarregado do caso requisitou outros vídeos de estabelecimentos comerciais e saiu atrás de testemunhas. A família, devastada, exortou a todos que prestassem informações. Colegas da escola, também situada na Zona Norte, prestaram os tributos com os quais já estamos nos acostumando: flores, velas e a camisa do time preferido do coleguinha morto foram depositados no local da tragédia.
Foram identificados quatro suspeitos entre 17 e 21 anos. Um permanece preso desde março e outro foi preso semana passada. Ambos têm 18 anos.
Não houve grande repercussão na imprensa, como no recente e igualmente chocante episódio do médico assassinado em um dos principais cartões-postais da Zona Sul carioca.
Não retirem, contudo, conclusões apressadas. O assassinato do menino — chamava-se Alan Cartwright — se deu em Londres, capital do país da Scotland Yard, no qual a responsabilidade penal se inicia aos 10 anos de idade, a privação de liberdade aos 15 e que, com relação a maiores de idade, tem penas muito mais severas que as brasileiras.
O que une, pois, um caso a outro, decididamente, não é o sistema jurídico-penal. De acordo com Paul Coventry, executivo do Conselho de Segurança da comunidade local londrina onde se deu esse e muitos outros crimes praticados por teenagers, o bairro tornou-se um dos mais violentos devido ao estado de exclusão socioeconômica desses jovens (“alguns estão se sentindo deixados para trás, como se eles não estivessem recebendo a sua cota de prosperidade que Islington, e Londres em geral, gera.”)
Se esse contraste social produz desgraças por lá, só mesmo com antolhos se pode vislumbrar que, por aqui, o problema da delinquência juvenil será eliminado, ou mesmo atenuado, através da redução da maioridade penal, ou que se evitará a proliferação de criminosos adultos aumentando o conceito dos chamados crimes hediondos.
Tão apavorante e abominável quanto tais crimes é explorá-los para acobertar a nossa absoluta incompetência para evitar que se repitam.
(Artigo inicialmente publicado no jornal “O Globo“, no dia 10 de junho de 2015)
Helio Saboya Filho é advogado