No mês em que o Plano Nacional de Educação (PNE) completa um ano de sanção, oito estados retiraram as referências à identidade de gênero, diversidade e orientação sexual de seus Planos Estaduais de Educação. A mudança vai contra o entendimento de educadores e especialistas que defendem que a escola como um local privilegiado para tratar de temas como este.
“Tem que ser no ambiente escolar porque é o local em que esse assunto pode ser tratado com qualidade. Assim, a criança aprende dentro de sala de aula a respeitar a diversidade”, afirma a Professora Adjunta da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), Renisia Cristina Garcia Filice, que também é Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Políticas, Ensino de História, Raça e Gênero (Geppherg/UnB).
A Senadora Regina Sousa (PT-PI) concorda com a professora Renisia. “É preciso discutir esses assuntos nas escolas e muitas delas resistem a fazer esse debate. Mas a lei serviria para fazer as escolas cumprirem seu papel de discutir isso”, destaca.
Para a pesquisadora da UnB, é extremamente importante que a questão de gênero seja colocada nos Planos de Educação, inclusive para minimizar os atritos e pensar práticas pedagógicas que não estimulem apenas o binário homem/mulher.
“Porque assim o professor estará preparado para saber lidar com essa diversidade que existe na sociedade e também na escola. É errado a ideia de que se está estimulando, por exemplo, que uma criança se torne homossexual ou travesti porque o assunto será tratado na escola”, enfatiza.
O termo orientação sexual se refere a como a pessoa se sente em relação à afetividade e sexualidade. Já a identidade de gênero faz referência a como cada um se reconhece dentro dos padrões de gênero estabelecidos socialmente. Assim, não são somente as características biológicas que determinam a construção da identidade de gênero.
O ambiente escolar é considerado um dos principais lugares de construção dos saberes da criança, incluindo as construções das identidades e, consequentemente, das diferenças. Assim, a ideia de incorporar o tema aos Planos de Educação visava propiciar uma discussão para diminuir o preconceito nas escolas, além de preparar as instituições de ensino para combater a discriminação racial, de orientação sexual ou de identidade de gênero.
Além de prever a difusão de propostas pedagógicas com conteúdos sobre sexualidade, diversidade quanto à orientação sexual, relações e identidade de gênero, muitas propostas também apontavam para a necessidade de estabelecer formas de evitar a evasão escolar motivada por orientação sexual ou à identidade de gênero.
As referências à identidade de gênero foram excluídas dos Planos Estaduais de Educação de Pernambuco, Espírito Santo, Paraná, Distrito Federal, Acre, Tocantins, Paraíba, Rio Grande do Sul, além de diversos municípios por todo o País.
A Iniciativa De Olho nos Planos, grupo formado por diversas entidades ligadas à área da educação, lançou nota pública criticando a retirada dos trechos sobre identidade de gênero dos Planos de Educação, que chamou de “manifestações de intolerância e proselitismo religioso nos processos públicos de elaboração e revisão de Planos de Educação no Brasil”.
Para o De Olho nos Planos, as estratégias de promoção da igualdade de gênero, raça e orientação sexual nos Planos de Educação visam dar concretude à Constituição Brasileira, à legislação educacional e às diversas normativas internacionais dos quais o Brasil é signatário, entre elas, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Crianças, que têm como base o princípio da laicidade do Estado.
“A pauta conservadora está invadindo o país. E a consequência dessa retirada é o aumento da violência contra homossexuais, travestis, transgêneros. Só a educação vai mudar isso”, finaliza a senadora Regina.
“A retirada dessas referências dos Planos de Educação é um retrocesso que se alinha à postura retrógrada que estamos observando no Congresso e na sociedade. A sociedade brasileira é homofóbica, racista e sexista. E várias religiões têm seus dogmas pautados no binário homem/mulher. Mas é preciso pensar para além das suas doutrinas religiosas, principalmente quando se trata do Estado”, conclui Renisia Cristina Filice.
Por Luana Spinillo, da Agência PT de Notícias