Ter fé na Constituição e no ordenamento jurídico nunca foi o bastante para salvar nenhuma Democracia. Constituições não funcionam automaticamente, pelo contrário, elas funcionam melhor quando são respaldadas por regras que, por incrível que pareça, não necessariamente estão na Constituição. Uma delas se chama Tolerância Mútua. O conceito vem sendo desenvolvido pelos professores e pesquisadores de Harvard, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, no livro How Democracies Dies.
A ideia se refere ao fato de que precisamos aceitar os oponentes políticos. Ponto. Não importa o quanto você não goste dos seus rivais, é preciso reconhecê-los como legítimos e não como inimigos de Estado. O que vemos hoje no Brasil (e no mundo) é justamente a perda da Tolerância Mútua. Você deve se lembrar quando Barack Obama se elegeu em 2000 e os líderes do Partido Republicano o “acusaram” de ser marxista, o chamaram de terrorista, antiamericano e, inclusive, tentaram provar que sequer era americano e sim queniano. Enfim, questionaram de todas as formas possíveis a sua legitimidade para ser presidente dos Estados Unidos.
E pior, a perda da Tolerância Mútua gera um dos efeitos mais danosos para qualquer democracia: a polarização extrema, Lulismo versus Anti Lulismo. A noção de que a vitória (ou iminente vitória) de determinado candidato é intolerável. A partir disso políticos passam a usar meios injustificáveis para evitar que essa figura chegue ao poder. E quando isso acontece é um verdadeiro vale tudo, desde violência e fraude eleitoral, até golpes parlamentares e claro, o Lawfare, que ficou obscenamente demonstrado no Brasil através do caso Lula.
O Lawfare transformou o Direito em um autêntico campo de batalha jurídico. A “Justiça” se tornou apenas um meio para se atingir determinados objetivos políticos. O Direito e a Política perderam toda magia. Todo engodo foi tão, mas tão político, que cogita-se até a formação da Bancada Lava Jato no Congresso. Já são ao menos 5 juízes e mais de 30 policiais federais confirmados na disputa para deputados e governadores nesta eleição.
Vimos continuamente o Lawfare se valer do explanacionismo, da presunção de culpa, da criação indiscriminada de Forças Tarefa e, obviamente, da sua arma mais clássica: as delações premiadas. E nesse balaio de gato, Sérgio Moro despontou como figura central vazando áudios sigilosos, criando teorias jurídicas, homologando delações informais, invertendo o ônus da prova, contrariando em ao menos quatro ocasiões decisões de tribunais superiores, relativizando o uso de provas ilícitas e até mesmo usando matérias da Globo como prova. A Lava Jato reduziu o Direito a um modelo desmantelador. De lá pra cá vimos juízes decretarem prisões com os argumentos mais absurdos possíveis, desde “decido conforme minha consciência” até “condeno porque a literatura me permite”. Só de falar em Lava Jato já ficamos com um gosto ruim na boca, ela foi capaz de converter o Direito em uma refeição de fast food. A propaganda é chamativa e a comida pode até te satisfazer por um tempo, mas você sabe que não vai se nutrir e que logo, logo, sentirá que foi enganado.
Por Igor Leone, advogado, um dos fundadores do site Justificando