Críticas de entidades da indústria, do comércio e de trabalhadores alertam para os danos representados pela decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central de interromper o ciclo de cortes da taxa básica de juros (Selic) e manter o índice no elevado patamar de 10,5% ao ano.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI), por exemplo, considerou “inadequada e excessivamente conservadora” a decisão do Banco Central, presidido pelo bolsonarista e cabo eleitoral Roberto Campos Neto. Para a entidade, a medida foi tomada “sem que o quadro inflacionário exija tamanho sacrifício”.
As críticas da CNI estão em nota divulgada na quarta-feira (19), logo após o fim da reunião do Copom. O posicionamento da principal entidade representativa do setor produtivo brasileiro contrasta fortemente com o ambiente de comemoração do mercado financeiro, para o qual o congelamento da Selic é garantia de multiplicação dos lucros.
Segundo a CNI, “a decisão irá impor restrições adicionais à atividade econômica com reflexos negativos sobre emprego e renda”.
No comunicado, o presidente da entidade, Ricardo Alban, afirma que “a manutenção do ritmo de corte na Selic seria o correto, pois contribuiria para mitigar o custo financeiro suportado pelas empresas e pelos consumidores, sem prejudicar o controle da inflação”.
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A CNI afirma que com a Selic mantida em 10,5%, a taxa de juros real (que desconsidera os efeitos da inflação esperada para os próximos 12 meses, que é de 3,6%) fica em 6,64%, ou seja, 2,14 pontos percentuais acima da taxa de juros real neutra – aquela que não estimula nem desestimula a atividade econômica, estimada pelo Banco Central em 4,5% ao ano.
O comunicado acrescenta ser “importante salientar que a taxa de juros real do Brasil é a segunda maior do mundo, atrás apenas da taxa da Rússia”.
A CNI diz ainda que “vale também observar que, mesmo se o Copom tivesse reduzido a Selic em 0,25 ponto percentual, o que seria o mais adequado, a taxa de juros real estaria em 6,4% ao ano, ou seja, 1,9 ponto acima da taxa de juros real neutra, ainda denotando política monetária fortemente contracionista”.
Inflação controlada
Em relação ao comportamento da inflação, a CNI considera que os índices “não justificam a equivocada interrupção na trajetória de queda na Selic”.
“Deve-se frisar que a aceleração em maio, assim como a elevação das expectativas para 2024 nas últimas semanas, ainda são movimentos muito recentes e, por isso, não configuram mudança estrutural na dinâmica dos preços”, pontua a CNI.
Desde outubro de 2023, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) vinha desacelerando mês após mês. O IPCA acumulado em 12 meses até abril de 2024 foi de 3,7%, bem abaixo do índice acumulado em 12 meses até dezembro de 2023, de 4,6%. Somente em maio último é que o índice acumulado em 12 meses acelerou para 3,9%”, acrescenta.
Outra consideração é a de que “o grupo alimentação foi responsável por quase 1/3 da variação observada em maio, reforçando o fato de o movimento recente da inflação contar com aspectos específicos que não caracterizam um quadro claro e definitivo de aceleração”.
Setor produtivo sufocado
A Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) também criticou a decisão do Copom, ressaltando que a inflação “está em patamar baixo para o padrão brasileiro”, conforme nota divulgada na quarta-feira.
Segundo a Abimaq, o atual nível de juros gera preocupações significativas sobre os efeitos adversos no crescimento econômico. “Com a Selic permanecendo alta, o custo do crédito continua a pressionar negativamente o setor produtivo, desestimulando investimentos essenciais para o desenvolvimento sustentável do país. Essa política, acaba por restringir a capacidade de recuperação econômica, prejudicando a criação de empregos e a competitividade das empresas brasileiras”, afirma a entidade.
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Queda nos investimentos
A Associação Paulista de Supermercados (Apas) diz que parte do mercado aguardava a manutenção da taxa, mas adverte para os efeitos dos juros altos sobre o nível de atividade doméstica.
“Já era uma decisão aguardada pelo mercado, porém, o que estamos observando é que ela pode produzir um efeito negativo, especialmente sobre o consumo das famílias, tendo em vista que nós atualmente temos uma das maiores taxas reais de juros do mundo. Nossa preocupação é que a manutenção da taxa Selic em 10,5% ao ano, interrompendo o ciclo de queda, possa prejudicar tanto o investimento, quanto o consumo das famílias”, diz o economista-chefe da Apas, Felipe Queiroz.
A decisão do Copom preocupa também a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Em linha com os demais setores produtivos do país, a instituição diz que que “este é um movimento equivocado, já que ainda haveria espaço para uma redução de 0,25 pontos nesta reunião”.
Para a CNC, a estabilização da Selic gera um cenário de menor atratividade para o crédito e, consequentemente, para o setor de comércio e serviços, pois a tendência é que as famílias diminuam seu ritmo de consumo. Além disso, “o freio na queda da Selic ocasiona prejuízos no setor do comércio com o encarecimento do financiamento para as empresas, o que dificulta o desenvolvimento do país como um todo”.
Falácia
A manutenção dos juros básicos também recebeu críticas de entidades de trabalhadores. Para a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Copom boicota a economia e aprofunda a carga pesada de juros sobre o governo e a população.
Já a presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT) e vice-presidente da CUT, Juvandia Moreira, afirma que “usar o argumento de se preparar para expectativas futuras de inflação maior é uma falácia”.
Segundo a dirigente, a inflação está sob controle, e as justificativas do Copom são falhas e prejudicam diretamente o aumento do nível de empregos, uma das obrigações do BC”.
“A manutenção da Selic alta é proibitiva ao crescimento econômico e apenas reafirma que o órgão é suscetível às pressões do mercado financeiro e, assim, desvia das responsabilidades para com o país”, critica.
Outro posicionamento vem da Força Sindical, que classifica a decisão do Copom como “desastrosa”. Em nota, o presidente da entidade, Miguel Torres, diz que o Banco Central frustra os trabalhadores e se curva aos especuladores, beneficiando os rentistas.
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“Juros altos sangram o país e inviabilizam o desenvolvimento, restringindo o enorme potencial de crescimento do Brasil, bem como os investimentos em educação, saúde e infraestrutura, entre outros. Enquanto isso, os banqueiros lucraram R$ 26 bilhões só no último trimestre. Baixar os juros é fundamental para a retomada do crescimento sustentável, com a inclusão do povo trabalhador na economia para além da mera subsistência”, afirma Torres.
Contra os interesses do povo
O coro de críticas foi reforçado pelo presidente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Décio Lima.
“Dá maneira como está sendo conduzido,o Banco Central não é independente, não serve aos interesses do povo brasileiro, porque está sendo utilizado a serviço dos rentistas,daqueles que ganham dinheiro,tornando ainda mais difícil a vida do trabalhador e do micro e pequeno empresário”, diz Lima, pela rede social X.
Lima diz também que a manutenção da Selic nessas bases prejudica não só o governo, que tenta recuperar a economia. “Ao manter elevados os juros da dívida pública, o BC atinge também os consumidores e as empresas, principalmente os micro e pequenos negócios, porque o crédito fica mais caro”, critica.
Da Redação, com CNI e Agência Brasil