Ana Clara, Elas Por Elas
Estudar fora é um sonho de muitos brasileiros e, ainda assim, pode ser um processo bem solitário. Com as dificuldades impostas pelo governo Bolsonaro, essa realidade tornou-se ainda mais distante para muitas mulheres. No entanto, muitas estudantes ainda seguem no árduo caminho da qualificação acadêmica no exterior. E mesmo quando chegam lá, é só o primeiro passo: elas ainda têm muitos desafios para enfrentar. Para apoiar umas às outras, um grupo de mulheres lançou a Rede Ibirá — rede de pesquisadoras brasileiras em Portugal.
Para fazer parte, acesse aqui ou email redeibira@gmail.com.
“O ambiente acadêmico pode ser muito competitivo e as pesquisas de pós-graduação tendem a nos levar para um movimento muito individual e de introversão, mas que não necessariamente precisa ser solitário. Uma comunidade em rede pode minorar as dificuldades e ampliar as oportunidades”, explica Adriana Quintão, natural do Rio de Janeiro. Ela faz doutorado em sociologia e pesquisa na área de corporeidade e sexualidade feminina no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
Catharina Vale, doutoranda em comunicação política, antecipa que “pesquisa se faz em rede” e estudar fora do país traz desafios extras — burocráticos, sociais, culturais. Além do processo da imersão acadêmica, que já exige muito, há a questão da adaptação da mudança.
“No caso específico de mulheres, há ainda a carga extra que representa a pesquisa, principalmente quando não é financiada . Ou seja, precisamos dar conta da casa, da rotina, da família, do trabalho – principalmente para quem não tem bolsa”, reforça Vale.
O objetivo da Ibirá transcende os interesses acadêmicos para conectar e possibilitar encontros, trocas e apoio. Ibirá é um nome de origem tupi, e foi escolhido para lembrar que o português se expande com outras línguas. Ibirá significa árvore e há muita simbologia: raíz, fortalecer, plantar, crescer, folhas que representam muitos temas de pesquisa e ciclos.
Danusa Colares, doutoranda em Sociologia Econômica e das Organizações, ressalta que o processo de pesquisa e produção de conhecimento é também um processo de maturação, tanto subjetivo como intelectual. Ela é de Limoeiro do Norte, Ceará, e reforça a importância de uma rede de apoio no exterior, principalmente feminista:
“Nós cotidianamente enfrentamos questões vindas dos regimes de gênero, ter uma rede de pares é um ambiente em que é possível experimentar uma maior liberdade, compreensão e suporte”, ressalta Colares.
Com a Ibirá, as pesquisadoras têm a opção de fazer parte de um grupo de mulheres na mesma situação, uma sensação de amparo, fortalecimento e proteção. E dessa forma, a rede pode facilitar a conexão entre mulheres pesquisadoras, a troca de informações e experiências.
Com a palavra, as pesquisadoras brasileiras da Rede Ibirá. Conheça algumas.
Catharina Vale, 43 anos, de Belém e de Brasília. Faz doutorado em comunicação política na Universidade Católica de Lisboa.
– Fiz parte de uma graduação, meu mestrado e agora o doutorado fora. As primeiras experiências foram na Alemanha e lá minhas redes de amizades e acadêmicas sempre foram internacionais. Meu caminho cruzou com de poucas brasileiras, não havia essa facilidade de conectar-se por meios digitais e o Brasil estava bem. O que percebo aqui em Portugal é um número alto de estudantes e pesquisadoras e pesquisadores vindos do Brasil e que enfrentam situações de adaptação muito semelhantes. Estudar fora traz aprendizados muito além do estudo, seja fora da tua cidade, teu estado ou teu país. A troca acadêmica é sempre mais rica e a ciência se beneficia disso – que bom. No meu mestrado, por exemplo, me deparei com livros de português para estrangeiros e acabei fazendo minha tese com base nisso – o ensino do português para estrangeiros na Europa é dividido entre “brasileiro” e “português europeu”, com livros diferentes e muito reforço de estereótipo. Se tivesse ficado minha vida acadêmica inteira no Brasil, talvez não tivesse cruzado com esse problema. É por isso que programas como Ciência Sem Fronteiras, que proporciona essa troca é tão importante para a ciência brasileira – para que o país se enriqueça com a troca de olhares plurais e saberes. Na minha época de graduação e mestrado não havia esse programa, mas muitas das minhas estagiárias e estagiários fizeram parte e vê-se a diferente na desenvoltura, performance e na ampliação de visão de mundo dessas pessoas. Bom, mas sobre a rede atual, estou pesquisando comunicação política, mais especificamente comunicação populista no Brasil e, definitivamente, é um tema delicado para uma pesquisadora no Brasil. Ter uma rede de pesquisadoras brasileiras neste momento, serve de amparo acadêmico e, no meio de uma pandemia, de amparo social também. Esse apoio em rede me dá a certeza de estar passando por isso junto com outras mulheres e me sinto amparada.
Neyara Andrade, 42 anos, paraense. Faz mestrado em Ciências em Emoções no ISCTE.
– Mudar de país, em plena pandemia, com dois filhos pequenos já seria difícil some-se a isso tudo um Mestrado. Sem as conversas com minhas colegas de turma e com a Catharina, certamente seria quase impossível de levar. Entre desabafos, motivação e – às vezes – uma verdade que precisa ser dita, essas mulheres vêm exercendo um papel importantíssimo no meu caminhar acadêmico.
Danusa Colares, 39 anos, Limoeiro do Norte – CE. Doutoranda em Sociologia Econômica e das Organizações, Universidade de Lisboa. Projeto: Assimetrias de Gênero: O Poder Simbólico na Assembleia da República.
– Saí do Brasil primeiro para o mestrado na Alemanha, lá também fiz parte da criação de uma rede de apoio cultural e social entre os brasileiros residentes naquela parte do país. Por conta da cultura tão diferente, a rede de apoio exigia outras partilhas, inclusive ensinar a língua para as crianças filhas de brasileiros que nasciam por lá e perdiam o contato com a língua ao crescer.
Aqui em Portugal o choque cultural é bem menos intenso, porém é igualmente preciso “criar raízes” para permanecer com qualidade. Ter um espaço de acolhimento e troca de informação, ideias, apoios, suaviza e facilita esse processo que exige tanta energia e investimento, e nos coloca de maneira mais inteira nas trocas que também fazemos fora do grupo. Identificamos dificuldades em comum, como o conservadorismo destacado pela Catharina, ambiente acadêmico hierarquizado, machista e formalista, por exemplo. Então, compartilhamos alternativas para construir soluções que facilitem os nossos trabalhos e vivências neste ambiente.
Letícia Seixas, 32 anos, carioca. Pesquisadora pós-doutoral na Universidade de Lisboa, trabalha na área de Interação Humano-Computador com ênfase em acessibilidade.
– Fiz meu doutorado em Paris e a adaptação no início foi um pouco complicada. O modelo adotado por lá não possui disciplinas, aquela sensação de unidade de turmas e colegas de classe não existe. Depois de algum tempo eu conheci a APEB-Fr, uma associação de pesquisadores e estudantes brasileiros que existe no mundo todo. Ali eu descobri a importância de redes de suporte e como proporcionar esses encontros acrescenta demais a nossa formação pessoal e profissional. Ali aprendi um pouco de tudo, história, política, literatura, expressões artísticas e, de sobra, fiz grandes amizades. Ao acabar meu doutorado, vim para Lisboa e senti muita falta desse espaço novamente. Então essa ideia foi super bem vinda!
Adriana Quintão, 48 anos, natural do Rio de Janeiro. Faz doutorado em sociologia e pesquisa na área de corporeidade e sexualidade feminina no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
– Morei fora do Brasil pela primeira vez nos anos 90, quando fiz minha primeira faculdade, nos Estados Unidos. Logo no início do primeiro ano letivo, fui a um encontro de alunos internacionais na faculdade e ali fiz duas amigas que tenho como irmãs e com quem me relaciono até hoje: uma da Rússia e outra da Noruega. Nós nos apoiávamos muito e a amizade delas foi fundamental para que eu, uma jovem super inexperiente e imatura, sobrevivesse num país e numa cultura tão diferentes do que eu estava habituada. Dessa vez, em Portugal, mais experiente e madura, minha compreensão do que é morar fora do meu país é outra: compreendo que, de certa forma, sou uma espécie de “embaixadora” do Brasil para os portugueses que não conhecem o nosso país e os brasileiros. Entendo como meu dever de cidadã brasileira esclarecer os diversos equívocos que os portugueses possam ter sobre o Brasil e a cultura brasileira. Minha experiência anterior, como parte de uma pequena rede de apoio de alunas estrangeiras nos EUA, também me fez ter consciência da importância desse movimento que eu, a Catharina, a Danusa, a Letícia e a Nayara estamos propondo com a Rede Ibirá: quem pede ajuda sofre menos; é simples assim.