Durante 320 dias o estado do Rio de Janeiro tornou-se um laboratório no setor de segurança pública. A intervenção militar trouxe muitas promessas para a população que anseia pela redução das taxas de criminalidade. Contudo, o resultado ficou aquém do esperado, segundo o relatório final do Observatório da Intervenção lançado nesta quinta-feira (14).
O documento aponta que a interferência dos militares e a injeção de R$ 1,2 bilhão de recursos federais não produziram mudanças significativas na segurança pública do estado. De acordo com o relatório, o número de mortes violentas teve uma redução apenas de 1,7% em relação a 2017. Entre fevereiro e dezembro de 2018 ocorreram 6.041 mortes violentas, ou seja, homicídios dolosos (quando há a intenção de matar), latrocínios (roubos seguidos de morte), mortes por intervenção de agentes do estado e lesão corporal seguida de morte.
Para o coordenador de pesquisa do Observatório da Intervenção, Pablo Nunes, a ação implementada pelos militares nas forças de segurança no estado do Rio de Janeiro é um exemplo de uma política que não deve ser seguida no território nacional.
“O que a intervenção fez e nós chamamos atenção em nosso relatório é apostar em algo que não deu certo no Rio de Janeiro, essa lógica de enfrentar os problemas de segurança pública com operações ostensivas, violência, armamento, tanques de guerra, homens das Forças Armadas, já não deu certo em várias outras oportunidade no Rio de Janeiro. Quando a gente teve os menores índices de criminalidade no Rio foi exatamente quando a polícia começou a pensar a sua atuação na resolução de conflitos de forma não violenta”, explica Nunes.
O documento, que será distribuído para parlamentares e autoridades, pretende se tornar um documento que traz um “raio-x” dos 10 meses de intervenção no Rio e também um direcionamento para a política pública da área de segurança. De acordo com o Observatório da Intervenção, é fundamental o investimento em inteligência, ações estratégicas e modernização da gestão pública de maneira que priorize o controle de armas, a elucidação de homicídios e a prisão de grupos de extermínio.
Caso Marielle
O baixo índice de resolução dos crimes de homicídio, em torno de 10% no estado do Rio de Janeiro, permanece sendo o “calcanhar de aquiles” das forças de segurança. A deficiência no setor de investigação ganhou repercussão internacional a partir do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes que completa 11 meses sem respostas nesta quinta-feira (14).
O crime político contra a defensora de direitos humanos evidenciou o problema de um modelo que investe a maior parte dos recursos em operações de confronto direto e carece de infraestrutura material e pessoal para elucidar homicídios.
“Uma das coisas graves que aconteceu durante o ano foi essa falta de respostas, tivemos diversos vazamentos de informações pela mídia, que nunca foram, de maneira clara, confirmados ou negados pelas autoridades. Tivemos informações relacionadas a perícia, os corpos não passaram pelo raio-x porque o IML [Instituto Médico Legal] talvez não teria um aparelho em funcionamento naquele momento, o carro de Marielle, que o Anderson dirigia naquela noite, ficou ao relento no pátio da Polícia Civil exposto ao clima. Diversas irregularidades que ocorreram durante a investigação permanecem sem respostas”, destaca Nunes.
O Brasil de Fato contatou a Polícia Civil para obter informações sobre a elucidação do crime, a assessoria de imprensa da instituição informou que a investigação está sob sigilo e nenhum dado seria divulgado para a imprensa.
Orçamento
O documento chama a atenção também para os gastos na intervenção. Ao todo, R$ 1,2 bilhão foram destinados a ação, porém, segundo o coordenador de pesquisa do Observatório da Intervenção apenas uma pequena parte deste recurso foi materializado para a segurança pública.
“Menos de 11% deste recurso foi revertido em serviços ou materiais para as policias do Rio de Janeiro e outros órgãos de segurança pública, o que continuaremos monitorando porque, de certa forma, boa parte deste contingente orçamentário ficou num limbo que ainda não encontrou produção material para as forças de segurança”, ressalta.
O relatório está disponível no site do Observatório da Intervenção. A iniciativa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) é formada por uma rede de 20 instituições apoiadoras, públicas e privadas. A pesquisa foi baseada no monitoramento de bases de dados oficiais, veículos de comunicação, redes sociais e informações colhidas por redes de ativistas de diferentes favelas.
Por Brasil de Fato