Pela segunda vez consecutiva, o presidente Jair Bolsonaro não participará do Fórum Econômico Mundial, realizado de forma virtual neste ano. Mas as más notícias resultantes de seu desgoverno ecoam nos salões de Davos, na Suíça, onde tradicionalmente ocorre o evento. Neste domingo (24), a Organização das Nações Unidas (ONU) apresentou um relatório apontando que os investimentos no Brasil caíram pela metade no ano passado, redução superior à média da queda mundial (42%).
O relatório ‘Monitor de Tendências de Investimento’ indica que o Brasil recebeu US$ 33 bilhões em investimentos produtivos de outros países em 2020, queda de 51% em comparação com 2019. O estudo revela ainda que algumas grandes economias emergentes tiveram desempenho melhor que o do Brasil, como o México, que teve recuo de recursos menos intenso (8%), ou a Índia, que registrou aumento do fluxo de 13% em plena pandemia.
“O investimento caiu diante da pausa dos programas de privatização e concessão de infraestrutura durante a crise pandêmica. O setor mais afetado foi o de transporte e serviços financeiros com queda no fluxo de mais de 85% e 70%, respectivamente”, destaca o documento divulgado pela Conferência da ONU para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad) em Genebra, na Suíça.
Sem vacinas suficientes e com incertezas sobre políticas econômicas, a ONU estima que a recuperação dos fluxos de investimentos ocorrerá apenas 2022. Para 2021, pode haver uma nova contração de até 10%, com uma “contínua pressão descendente”. A queda de 35% dos novos investimentos em produção em 2020 sugere que ainda não se vislumbra uma reviravolta nos setores industriais. Na América Latina, essa queda foi de 51%.
Menos empregos e renda, segundo a OIT
Outra entidade, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), revelou em seu informe anual, divulgado nesta segunda (25), que o Brasil perdeu 11,1 milhões de postos de trabalho no ano passado, impacto quase duas vezes superior à média mundial. Segundo a organização, a perda de renda foi de 21% no primeiro semestre de 2020.
Ainda segundo a OIT, “o continente americano é a região mais afetada pela crise da covid-19, registrando uma perda total de 13,7% em termos de horas de trabalho durante 2020″. As maiores perdas na região em relação as horas trabalhadas foram registradas no Caribe e na América Latina. Nesta linha, o Brasil perdeu 15%, contra 12% do México.
James Zhan, representante da Unctad, alerta que a recuperação brasileira pode ser lenta, já que o que se registrou foi uma queda acentuada de investimentos em novas plantas de produção. Isso, segundo ele, seria uma indicação de que a retomada não ocorrerá de forma imediata, mesmo com o fim da pandemia.
“A recessão e o choque causado pela pandemia geraram um golpe para os investimentos no Brasil e na região. Vimos produção afetada”, informou Zhan ao jornalista Jamil Chade em sua coluna no portal ‘UOL’. “No curto prazo, podemos levar um tempo maior para que o Brasil se recupere, comparado com outras partes do mundo, como Europa.”
Outros dois segmentos destacados negativamente no Brasil foram os de óleo e gás e a indústria automotiva, que sofreram queda de 65% nos dois casos. As montadoras instaladas no país estão em crise com o encolhimento do mercado e a saída de algumas fábricas, como Ford e Mercedes-Benz, nas últimas semanas.
Sobre a saída da Ford, o governador da Bahia, Rui Costa (PT), afirmou que ela se dá devido ao abandono das indústrias no país. “Não há planejamento. O que pensamos nos últimos cinco anos para aumentar o investimento em tecnologia e a industrialização? Nada. Estamos satisfeitos em nos tornarmos uma grande fazenda”, afirmou, em entrevista ao jornal ‘Folha de S. Paulo’.
O governador disse ainda que os executivos da Ford lhe apontaram um cenário devastador, com projeção de retomada apenas em 2023. Para ele, mais indústrias do setor automotivo deverão anunciar a saída do Brasil nos próximos meses. “O câmbio foi a R$ 5, R$ 6. Quem vai bancar uma diferença de custos dessa? No ano passado, o setor industrial teve um aumento de 30% para produzir no Brasil”, afirmou.
A crise não atinge apenas a indústria automotiva. Depois de um século no país, a japonesa Sony anunciou o fim da produção da fábrica em Manaus até março deste ano. Outra japonesa, a Mitutoyo, fechou a planta de instrumentos de medição em Suzano (SP) em outubro do ano passado. Já o grupo farmacêutico suíço Roche anunciou que deixará de fabricar medicamentos no País até 2024.
Desindustrialização afeta mercado e salários
Para o professor da Universidade de Brasília (UnB) formado em ciências econômicas, José Luis Oreiro, a desindustrialização do Brasil está diretamente ligada à ascensão de Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto. Em entrevista à TV 247, ele explicou que os melhores postos de trabalho com os melhores salários para a classe média brasileira, com nível médio de escolarização, se encontram exatamente na indústria. Quando as fábricas fecham, são os trabalhadores da classe média que perdem o emprego.
“Essas pessoas que vão ser demitidas da 3M ou da Ford, se não conseguirem vagas em outras fábricas, vão terminar no setor de serviços. Uns vão virar motoristas de Uber, que precisam trabalhar 12 ou 14 horas por dia para tirar dois ou três mil reais por mês. Não vão ter direito a férias, a décimo terceiro salário, não vão ter contribuição previdenciária. Vão se esfolar de trabalhar para ganhar um salário menor”, prevê.
“Quando você destrói empregos da indústria você está reduzindo a renda desses trabalhadores, mesmo que eles consigam um emprego formal no setor de serviços. Você vai ter um progressivo empobrecimento da chamada classe média brasileira”, afirmou Oreiro.
Segundo ele, o fato de a classe média estar insatisfeita com a situação econômica e com a precariedade de seu trabalho abala a vida política do país. “As grandes democracias pressupõem uma grande classe média. A classe média é que dá estabilidade. Quando você destrói essa classe média, o resultado pode ser o radicalismo de esquerda e de direita. Nos últimos anos a gente observou o radicalismo de direita. Foram os trabalhadores ‘uberizados’ que votaram no Bolsonaro em 2018. Essa classe média que está se sentido excluída, que está vendo seu poder de compra reduzido, sua qualidade de vida reduzida, que não tem perspectiva. Então acabam votando em um Bolsonaro da vida, seja como voto de protesto ou por desespero mesmo.”
Estrangeiros mostram cautela com o Brasil
O ano passado já havia passado para a história como um dos períodos em que os estrangeiros se mostraram mais cautelosos em colocar dinheiro no Brasil. Seja para o setor produtivo, seja para a Bolsa ou o financiamento do governo. A projeção do Banco Central (BC) sobre o ingresso de investimentos estrangeiros destinados ao setor produtivo (IDP) é de que ele deve ser a metade do que ingressou em 2019 e muito inferior ao registrado nos últimos anos. O IDP engloba investimentos duradouros, como uma nova fábrica ou compra de participação em empresas já instaladas.
Embora haja um excesso de liquidez nos mercados globais, as incertezas fiscais, políticas e sanitárias brasileiras, incluindo os entraves para a vacinação em massa no país, mantêm os agentes estrangeiros com um pé atrás na hora de investir.
“Uma empresa, quando decide investir, examina uma série de fontes”, disse ao jornal ‘O Estado de São Paulo’ o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, elencando a política ambiental, a área social e a governança como fatores considerados. “Países que não se preocupam com essas três coisas saem do radar. E o Brasil está mostrando para o mundo um governo que menospreza o meio ambiente, é negacionista e não tem articulação política.”
“Houve uma piora de imagem e de perspectiva. A contribuição do governo Bolsonaro para isso é a exacerbação da polarização política, que só causa danos ao país”, afirmou o economista Mauro Schneider, da MCM Consultores Associados. “Vamos precisar de um tempo para voltar a sermos vistos como um país com perspectivas estáveis.”
Em 2020 os investidores estrangeiros retiraram US$ 51 bilhões líquidos em investimentos do Brasil. Este foi o oitavo ano consecutivo de fuga de recursos, conforme dados do BC. Pela série histórica, iniciada em 1982, desde 2012 o país não registra entrada líquida de investimentos estrangeiros. Naquele ano, sob a presidência de Dilma Rousseff, o Brasil recebeu US$ 8,4 bilhões a mais do que foi retirado.
Em oito anos, de 2013 a 2020, os estrangeiros retiraram US$ 318,9 bilhões líquidos do Brasil. Esta cifra diz respeito aos investimentos estrangeiros em novas plantas ou em empresas já em funcionamento, aos aportes em ações e demais ativos financeiros e às remessas de lucro e pagamentos de juros no exterior, entre outras operações.
Da Redação