A deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP) presta depoimento na CPI das Fake News da Câmara dos Deputados, em Brasília. Antes aliada importante do núcleo de apoio do presidente, Jair Bolsonaro (sem partido), ela agora é enfrentada como inimiga por “milícias digitais” ligadas ao clã do presidente. Joice apresentou uma série de documentos importantes que atestam diversas ilegalidades cometidas por bolsonaristas relacionadas à disseminação de notícias falsas e destruição de reputações em redes sociais.
Existe um padrão nas operações de distribuição de mentiras nas redes sociais, revelou a parlamentar. O esquema envolve um grande número de assessores de parlamentares de extrema-direita. Estes, recebem altos salários e têm como função a construção de narrativas mentirosas para beneficiar a ideologia em torno de Bolsonaro. Graves difamações e até ameaças de morte foram apresentadas por Joice, todas com origem especificada.
Joice argumentou que todos os documentos que revelam essa grande rede passaram por perícia e já são objeto de investigação. “Gente já jogou computador fora, até quebrou o disco do computador com furadeira”, disse, em alusão à suspeita de que o vereador carioca e filho do presidente, Carlos Bolsonaro, teria destruído computador.
O mecanismo
Uma das principais origens das mentiras, especialmente nos últimos meses, é o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). “As instruções passam muito por Eduardo e assessores ligados a ele. Eles ativam a militância e, depois, publicadores que têm muitos perfis falsos para dificultar a responsabilização das fake news. Para que não haja imputação de crime ou acionamento da Justiça, muitos perfis são falsos”, explicou.
Depois disso, vem o uso dos famigerados robôs. “Depois disso, as fake news são disseminadas em larga escala por robôs. Isso é informação técnica, a polícia já está envolvida. Tem gente que já jogou computador fora. Quem destruiu provas de ataques não levou em consideração que os dados estão protegidos na nuvem”, disse Joice.
Gabinete do ódio
Toda essa rede envolve cerca de oito milhões de pessoas em grupos de WhattsApp, Facebook e outras redes sociais. Apesar do grande número de pessoas envolvidas, os robôs se fazem necessários para a disseminação em massa até o destino final.
Agora, dentro destes oito milhões, existe uma escala hierárquica bem definida. Muitos dos que tomam as decisões são pagos com dinheiro público. Especialmente assessores, que formam o já conhecido “gabinete do ódio”.
“Eles têm uma tabela para que cada dia, um assessor produza um conteúdo para destruir uma reputação. Cada um um dia para fazer os ataques coordenados (…) Eles fazem listas de orientações para difamar. Entre políticos, jornalistas, enfim. Em um grupo central do WhattsApp eles coordenam e passam para os outros grupos multiplicadores”, disse Joice.
Farra com dinheiro público
Um dos grupos mais ativos e violentos é coordenado pelo gabinete do deputado estadual Douglas Garcia (PSL-SP). O parlamentar possui sob seu domínio uma série de militantes que coordenam as ações das fake news. Todos eles muito bem remunerados com dinheiro público.
Douglas Garcia faz parte de um grupo chamado Movimento Conservador, idealizado por Eduardo Bolsonaro, que tem como objetivo a disseminação do ódio e a manutenção das ideologias de extrema-direita. Todos eles também do grupo radical ultraconservador chamado Direita São Paulo.
“Edson Salomão, ganha 24 mil pra fazer meme e atacar pessoas do gabinete do Douglas Garcia. Mais de um milhão de reais em dinheiro público por ano em assessores de gabinetes. Jorge Saldanha, 18 mil reais de salário. Todos eles do Direita São Paulo. Alexandre da Silva, 9 mil reais. André Petros, quase 10 mil reais também. Todos eles Direita São Paulo e Movimento Conservador. Carlos Olímpio, Dylan Dantas, esses 7 mil reais de dinheiro público para atacar. Jhonatan Valencio, Lilian Goulart, Lucas Reis, quase 12 mil reais. O gabinete inteiro do Douglas Garcia. Maicon Tropiano, Matheus Galdino.” Estes são alguns nomes dos militantes centrais de tal teia de mentiras.
Laranjal
Em seus documentos, a partir das datas das postagens e atribuições, com muitos prints de telas de WhatsApp do núcleo bolsonarista, Joice revelou que o método consiste em iniciar uma mentira ou difamação de forma mais leve e, então, aprofundar, radicalizar as mentiras e ataques, a partir de sites e blogs de fachada criados pelos próprios assessores.
Um dos articuladores, Eduardo Guimarães (Dudu Guimarães), que é secretário parlamentar de Eduardo Bolsonaro, inicia uma narrativa, por exemplo. “O grupo Bolsofeios é do Dudu, esse é um dos grupos de organização do gabinete do ódio.
Então, começam a aprofundar a narrativa. Uma das fake news contra mim começou em um site Click Cozinha, dizendo que eu teria usado verba pública para difamar filhos do Bolsonaro. Eles usam esses sites laranjas.”
De mentiras a ameaças
Joice disse que se incomodou severamente com o esquema quando uma montagem sua em um corpo de porca e roupas de prostituta chegou no celular de seu filho de 11 anos. Ela chegou a rastrear a origem de tal montagem e chegou no esquema de Douglas Garcia. Mesmo grave a difamação, o cenário ainda pode piorar.
As influências das fake news criadas pelos grupos bolsonaristas ultrapassam os ataques pessoais, chegam na esfera da influência direta em articulações políticas e acabam atingindo a pura ameaça à vida. Em um vídeo do pessoal ligado ao Direita São Paulo e ao Movimento Conservador, assessores parlamentares armados com submetralhadoras e outras armas de grosso calibre ameaçam o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes de morte.
Em outro caso, sugerem articulações para proteger a família Bolsonaro de investigações criminais. “Tem um grupo chamado Ódio do Bem. Em mensagens desse grupo que estão já na perícia, afirmam que ‘é importante que travem a Lava Jato. Deltan deve cair. Augusto Aras deve assumir a PGR. Mendonça assumira o STF. Tem como blindar o Flávio’, afirma a administração desse grupo.”