Está na boca do povo, nos jornalões, nas redes, o debate sobre frentes, seja Democrática, Ampla ou de Esquerda.
Parte-se do pressuposto de que a Frente, qual seja ela, é imprescindível diante da ameaça real de autoritarismo e obscurantismo, de retrocesso nas liberdades democráticas conquistadas na luta contra a ditadura militar e consagradas na Constituição de 1988. As diferentes forças políticas e sociais devem se unir para impedir o avanço do autoritarismo do governo Bolsonaro.
Frente de Esquerda, na prática mais simples, torna-se mais difícil hoje. Estamos falando de aliança entre PT, PDT, PSB, PSol e PC do B. Tudo indica que não há acordo entre esses partidos sobre 2022, embora estejam do mesmo lado na oposição a Bolsonaro e concordem com os riscos que ele representa.
Por que o acordo sobre as próximas eleições presidenciais é tão difícil? Ao analisar a posição política de cada um desses partidos, vemos o PDT com Ciro Gomes numa postura anti-PT e anti-Lula; o PC do B, frente às dificuldades que enfrenta, por não ter atingido a cláusula de barreira em 2018, faz um forte movimento para se reformar com o “movimento 65″ e dos “ Comuns” em direção ao “centro democrático”; o PSB está em processo de autorreforma; e o PSol passa por uma mudança ao se aliar ao PT no Parlamento, nas eleições em segundo turno em 2018 e, agora, em importantes cidades.
De resto, qualquer frente mais ampla exige que as esquerdas, no sentido amplo, estejam unidas, condição para que uma frente contra Bolsonaro não seja dirigida pelos setores que na prática apoiam toda politica econômica do governo levada a cabo por Guedes e a política capitaneada por Moro e sua cruzada, acima da lei e da Constituição.
Na opinião de alguns, o principal é enfrentar a ameaça autoritária; depois, veremos o que fazer no fronte econômico. Acontece que a política de desmonte do Estado nacional e de bem-estar e a convivência e tolerância com as milícias, quando não o apoio a elas e ao aparato policial judicial da Lava Jato, são igualmente atentados à democracia.
Assim, para além da divergência principal com os liberais em torno do programa econômico ultraliberal e de direita, temos uma ameaça autoritária também na Lava Jato, nas PMs e nas milícias, com a qual não podemos compactuar.
Opções de alianças
Frentes amplas, não só o PT, mas todos os partidos de esquerda, sempre fizemos quando necessário – e continuaremos fazendo. No passado, na campanha das Diretas e no impeachment de Collor, nas eleições presidenciais e nos governos estaduais e municipais em todo o país.
Frente de Esquerda já fazemos no Parlamento em Brasília, na proposta inovadora e justa de reforma tributaria, na luta contra a reforma da Previdência e contra o pacote anticrime, no embate em defesa do meio ambiente, contra a censura, em defesa da autonomia das universidades, nos bairros e ruas de todo o Brasil em defesa dos direitos dos trabalhadores, das mulheres, dos negros, dos indígenas e da democracia.
Temos uma longa e duradoura experiência de Frentes de Esquerda no país, que devem ser construídas de baixo para cima, não como tarefa ou função apenas das lideranças nacionais dos partidos, mas da militância e dos cidadãos que apoiam e votam nos partidos de esquerda.
O momento histórico exige de nós a renúncia de hegemonismos e patriotismo de partido. O que está em risco são nossa liberdade e soberania nacional, nossos direitos políticos e sociais conquistados após 40 décadas de luta por gerações de lutadores e pelo novo povo trabalhador.
Testes
É nosso dever assumir em cada espaço de luta e nas relações políticas uma postura de unidade e construção de uma Frente de Esquerda com um programa que retome o fio de nossa história e garanta avanços na luta contra a desigualdade e a pobreza, na construção de uma nação justa e igualitária, democrática e com voz ativa e presença no mundo. Nas eleições municipais deste ano teremos uma prova importante de nossa disposição frentista.
Sabemos que a direita liberal apoia Guedes, fala em combater a desigualdade, busca nos atrair para uma aliança apenas para procurar o poder. Até aí tudo faz parte da disputa eleitoral. Mas devemos ter consciência dessa realidade antes de qualquer decisão sobre alianças.
O desafio das esquerdas é primeiro se entender para enfrentar o inimigo e as ameaças à democracia. Sem isso, seremos fracos em qualquer Frente, ou mesmo sem Frentes quando da alternância do poder.
O segundo desafio para as esquerdas é mobilizar a sociedade, ir para as ruas, sem medo e unidas, contra o autoritarismo, contra a politica econômica que causa tantos estragos e só fará aumentar a precarização do trabalho, a desigualdade e a pobreza.
Vamos estar juntos na luta, nas manifestações das mulheres no dia 8 de Março; no dia 14, em memória de Marielle, em protesto pelos dois anos de seu bárbaro e covarde assassinato ainda não esclarecido, impune. E no dia 18 em defesa da democracia e contra os retrocessos do governo Bolsonaro e as ameaças às liberdades democráticas e aos direitos sociais.
Nós estaremos sempre alinhados com todos os que se opõem ao autoritarismo e ao obscurantismo.
Mas Frente para disputar as eleições presidenciais no primeiro turno, visto que no segundo a expectativa é de que estaremos inevitavelmente contra Bolsonaro, coloca uma questão central: com quem e com qual programa vamos nos aliar? A unidade das esquerdas é mais do que necessária. Sem ela, seremos apenas coadjuvantes na luta contra Bolsonaro.
José Dirceu é ex-ministro da Casa Civil e um dos fundadores do PT
*Artigo publicado originalmente no Metrópoles