É do advogado e ex-governador do Estado de São Paulo Claudio Lembo a frase que melhor define o debate sobre o “massacre jurídico” que culminou na prisão política do ex-presidente Lula. “Nunca vi nada tão imoral como o que acontece no Brasil. Parece que Judiciário não tem apreço por nada, sobretudo pelos direitos humanos. Há uma elite branca no país que não quer ver Lula de volta”.
Lembo era um dos presentes no encontro “Capacidade Eleitoral Passiva: Lei da Ficha Limpa e a Vontade Popular: Análise do Caso Lula e de Precedentes Jurisprudências”, realizado nesta quinta-feira (28), em São Paulo, e coordenado pelo jurista e ex-ministro da Justiça do governo Dilma Rousseff, Eugênio Aragão, e com organização do Sindicato dos Advogados do Estado de São Paulo .
O apelo para que as movimentações jurídicas tenham como aliado o apoio popular das ruas é, segundo Lembo, a principal arma para enfrentar as manobras constantes do Judiciário brasileiro, cujo exemplo mais recente foi o envio ao pleno do STF (Supremo Tribunal Federal) mais um pedido de liberdade de Lula.”Neste cenário macabro que estamos vivendo, é quase impossível achar que a constituição de 1988 ainda existe. Ela tornou-se secundária. Basta ver a questão da presunção da inocência. A única forma de manter a luta é a movimentação social da população, completa Lembo.
A defesa de Lula hoje simboliza também a defesa da democracia do Brasil. É o que pensa o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello. “Se a democracia é um instituição que deve respeitar a vontade do povo e todas as pesquisas colocam o ex-presidente na cúpula dos votos então quem quer democracia só pode querer isso. Impedir ou dificultar a campanha do homem que todos querem como presidente seria antidemocrático. O mínimo de respeito com a democracia exige que o Lula pode ser candidato. Não é que ele pode. Ele deve ser candidato”, enfatiza o jurista.
Mello também usa o futebol para ilustrar a importância em ter Lula como um dos candidatos à Presidência da República nas eleições de outubro: “Estamos disputando um campeonato de futebol. E se o povo ficou feliz com a vitória da Seleção na Copa do Mundo vai ficar mais feliz ainda quando o Lula for candidato e ganhar”.
Já para Eugênio Aragão, é “a democracia que está sendo desafiada quando o Judiciário atua de maneira preordenada” e que é um momento de muita perplexidade. “Peço que os juristas que estão presentes tenham respeitabilidade e mantenham este debate em evidência. A disputa jurídica deve ganhar capítulos ainda mais calorentos daqui para frente. Por isso é fundamental levantar questões como estão acontecendo aqui neste momento”, convoca o ex-ministro da Justiça.
O ex-ministro destacou, ainda, a importância do trabalho da defesa do ex-presidente em um processo de quebra democrática. Ele aproveitou o espaço para parabenizar a atuação da equipe. “Gostaria de reforçar o esforço e o trabalho imprescindíveis dos colegas, faço uma menção especial a atuação do ministro Sepúlveda Pertence, por quem nutro a admiração do discípulo a seu mestre”. Ele falou sobre o pedido de prisão domiciliar. ” O pedido é um esforço legítimo para atenuar as restrições inconstitucionais a liberdade de Lula, ainda que não garantam o óbvio, que é sua imediata soltura, como é devido. O trabalho do Ministro Sepúlveda Pertence, em ação coordenada com os demais advogados de Lula, é imprescindível para o sucesso da defesa em curso.”
Resistir é preciso
Fernando Gaspar Neisser, coordenador adjunto e membro fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep) e do Instituto Paulista de Direito Eleitoral, vê a situação do caso de Lula como “muito complexa porque choca não só pela questão jurídica, mas também pela posição política assumida pelo Judiciário”.
Dada a dimensão do problema, explica Neisser, o caminho é disseminar todo e qualquer ataque à Constituição e levar a batalha jurídica para todos os níveis possíveis. “Nós estamos num momento da disputa da opinião pública em relação a este tema que torna fundamental que os juristas levem este debate a público tanto dentro quanto fora do Brasil. Não se pode admitir, por exemplo, uma tutela de urgência que impeça a candidatura do ex-presidente Lula”, diz o jurista, questionando o STF por submeter ao Plenário somente os processos contra Lula.A
A professora de Direito Administrativo da PUC-SP Weida Zancaner completa dizendo que a luta não pode se limitar ao terreno das leis. “As Ações Diretas de Constitucionalidade (ADIs) tinham de entrar imediatamente em pauta, mas como isso não tem ocorrido, eu duvido que o STF tenha boa vontade para julgar. Temos que nos municiar juridicamente, mas sem o apoio massivo da população nas ruas, a luta será muito mais difícil”, afirma a professora, referindo-se às ações sobre a constitucionalidade da prisão provisória após condenação em segunda instância, que estão prontas para serem votadas no STF mas não colocadas em pauta pela presidente da corte, ministra Cármem Lúcia.
O professor de Direito da Unesp Antônio Alberto Machado concorda. “Resistência é só o que sobra. Primeiro: resistência jurídica como tem feito os advogados do ex-presidente e todos os que concordam que há uma série de problemas todo o processo. Depois resistência nas ruas, pois todas as pesquisas confirmam que Lula tem a maioria dos votos dos brasileiros”, avalia.
Dentro do jogo de manobras políticas imposto sobre o caso de Lula, o advogado e professor de Direito Constitucional da PUC-SP Pedro Serrano critica a Lei da Ficha Limpa: “Esta lei neste momento está sob um forte paradigma autoritário que vem paramentado por critérios de justiça. A soberania popular está sob ataque no mundo todo e o caso do Lula se coloca como uma oportunidade para haver uma resistência. ainda temos total condição de agir e retroagir porque temos demonstrado resistência desde o início”.
Serrano questiona se, caso a lei prevaleça e a candidatura de Lula se confirme, seria possível manter um candidato preso. “Me parece que não. Acho que deveria automaticamente se conceder a liberdade. Se começarmos a admitir este tipo de processo para condenar pessoas poderemos entrar numa era da barbárie”, explica.
Além do apoio das ruas, o jurista Pietro Alarcon aposta na “internacionalização” do debate sobre o caso de Lula para se fazer valer a lei. “Do ponto de vista nacional considero que é preciso insistir na necessidade de que o STF de uma saída a questão. Nós ainda não esgotamos esta chance de que o STF ainda escute as nossas argumentações. No campo internacional nós não temos sido suficientemente habilidosos em fazer uma unidade de seguimentos jurídicos que possa nos ajudar muito de maneira incisiva na questão brasileira. Temos que construir um movimento jurídico internacional não em favor de uma pessoa, mas em defesa do estado democrático de direito”, defende.
Por Henrique Nunes da Agência PT de Notícias