Na avaliação do procurador de Justiça do Ministério Público da Bahia Rômulo de Andrade Moreira, é preciso repensar a forma como vem sendo aplicada a delação premiada no Brasil. A prova disso, de acordo com Moreira, são os mais recentes diálogos divulgados pelo site The Intercept Brasil e pelo jornal Folha de S. Paulo revelando que integrantes do Ministério Público, que compõem a força-tarefa da Lava Jato, negociaram com então juiz Sergio Moro os termos de uma delação antes mesmo do acordo ter sido fechado.
Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador (Unifacs) e membro do coletivo Transforma MP, ele afirma que seus colegas procuradores Carlos Fernando dos Santos Lima e Deltan Dallagnol, em conjunto com o atual ministro da Justiça, aplicaram a delação premiada de uma maneira que “nem a Lei de Organizações Criminosas, que já é criticável, foi preservada. Eles fizeram pior”, contesta Moreira, em entrevista aos jornalistas Marilu Cabañas e Glauco Faria, da Rádio Brasil Atual.
De acordo com as mensagens privadas dos procuradores, Moro só aceitou homologar os acordos das delações dos executivos da Camargo Corrêa Dalton Avancini e Eduardo Leite se a pena proposta a eles incluíssem pelo menos um ano de prisão em regime fechado, violando a distância imposta aos magistrados que permite apenas a veracidade da legalidade dos acordos após sua assinatura. Os executivos estavam presos em caráter preventivo havia quatro meses, e foram os primeiros a abrir caminho que esse tipo de negociação viesse a ser a tônica da Lava Jato.
“Um dos aspectos que eu critico é que a lei permite a delação premiada de quem está preso. É preciso que haja modificação nesse artigo (…) Me parece que uma delação premiada feita naquele ambiente de prisão, de falta de liberdade, de ameaças em relação a indiciamentos de familiares, isso tudo fragiliza o sujeito que efetivamente quer delatar. A delação tem que ser voluntária e espontânea”, aponta integrante do Transforma MP.
Moreira credita esses conflitos a uma “americanização do processo penal brasileiro” em que se importa instrumentos jurídicos dos Estados Unidos a despeito das particularidades do sistema de justiça do Brasil. Como resultado, há um aumento no número de prisões preventivas. Um levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), divulgado nesta quarta-feira (17), mostra que o país já tem 812 mil pessoas presas, e quase 42% não têm condenação.
O próprio conjunto de medidas penais apresentado pelo ministro da Justiça, o chamado pacote anticrime, faz uma importação destoante dos parâmetros nacionais, na visão do procurador, prevendo por exemplo a possibilidade de um “informante amigo” ou ainda da barganha dos acordos penais, o que deve contribuir para aumentar ainda mais a população carcerária que já é a terceira maior do mundo.
“A prisão preventiva é uma medida de natureza cautelar que deve ser excepcional. O próprio código do Processo Penal diz isso, só se decreta prisão cautelar em último caso”, ressalta o procurador. As revelações que vem sendo feitas pelo Intercept Brasil sobre o trabalho da Lava Jato indica ainda que há outro aspecto problemático na aplicação da delação premiada, a interferência do juiz. “Ele (Moro) condicionou em uma das cláusulas que o sujeito fique preso no regime fechado durante um ano. Isso é um problema seríssimo”, adverte.