Em artigo publicado na segunda-feira (27/08) no site jurídico Jota, os juristas Joelson Dias, ex-ministro substituto do Tribunal Superior Eleitoral e membro do Conselho de Relações Internacionais da OAB, e Ana Luísa Cellular Junqueira, Mestre em Direitos Humanos pela Universidade do Minho, falam dos perigos de não se cumprir acordos internacionais, como aquele do Comitê da ONU que determinou a participação de Lula nas eleições.
“Se os comitês são estabelecidos exclusivamente para monitorar a implementação dos tratados internacionais de direitos humanos, seria um contrassenso não reconhecer a força vinculante de suas manifestações”, afirmam.
Leia na íntegra o artigo:
Caso Lula: crônica de mais um descumprimento de decisão internacional anunciado?
Histórico brasileiro não é outro senão o de violar, regular e sistematicamente, as normas de tratados internacionais de direitos humanos
Duas graves e perigosas conclusões resultam de todo o clamor de alguns provocado pela decisão, em caráter liminar, do Comitê de Diretos Humanos do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP) da Organização das Nações Unidas (ONU) que garantiu ao ex-presidente Lula o exercício dos seus direitos políticos: a) existe no Brasil um grave desconhecimento geral sobre o direito internacional dos direitos humanos; b) parcela da sociedade brasileira, inclusive e lamentavelmente de sua própria comunidade jurídica, no delírio de sustentar uma soberania absoluta e intangível, vem desdenhando desde sempre da responsabilidade internacional do País.
Preferindo acreditar seja apenas um cenário de desinformação, resta-nos destacar alguns pontos centrais que embasam toda a ótica de proteção e promoção dos direitos humanos, para, então, enfatizar a força vinculante das recomendações dos órgãos globais de monitoramento dos tratados internacionais de direitos humanos.
Marcados pelas atrocidades nazistas e conscientes da impossibilidade de autossuficiência, após a Segunda Guerra Mundial, nasce a convicção de que a violação à dignidade humana não deve ser concebida como questão doméstica do Estado, e sim como tema de relevância universal, como legítima preocupação da comunidade internacional. Os Estados passam, então, a adicionar a sua estrutura político-soberana elementos de abertura e de cooperação mútua no plano internacional, substituindo o modelo tradicional de Estado Westphaliano[1] pelo Estado Constitucional Cooperativo[2], que deixa de reivindicar o caráter absoluto da soberania para exercê-la de forma compartilhada, adequada ao novo cenário de interdependência entre os países.
Dada a necessidade de ação mais eficaz para garantir a integridade física e moral do indivíduo, impulsiona-se, assim, a criação sistemático-normativa de proteção e promoção global e regional de direitos humanos[3], tornando possível a responsabilização do Estado (no domínio internacional) quando as instituições nacionais se mostram falhas ou omissas na tarefa de proteger a dignidade humana. A ambição passou a ser de garantir e implementar coletivamente as obrigações internacionais dos Países, que, por sua natureza, transcendem os interesses exclusivos dos Estados contratantes. O Direito Internacional passa, dessa forma, a ser mais próximo do Direito das Gentes (jus gentium), afastando-se, definitivamente, de um simples Direito entre Estados.
Sobre a relação entre as normas de direitos humanos dos sistemas global/regional, o Direito Internacional dos Direitos Humanos, com seus inúmeros instrumentos, não pretende substituir o sistema nacional. Ao revés, situa-se como Direito subsidiário e suplementar ao Direito nacional, no sentido de permitir que sejam superadas suas omissões e falhas.[4]
Diante do universo de instrumentos internacionais e nacionais de proteção dos direitos humanos, cabe ao indivíduo escolher o aparato mais favorável, tendo em vista que, eventualmente, direitos idênticos são tutelados por dois ou mais instrumentos internacionais ou pela própria constituição nacional. O propósito da coexistência de distintos instrumentos é, pois, ampliar e fortalecer a proteção e promoção dos direitos humanos. É o critério de primazia da norma mais favorável ou benéfica às pessoas protegidas.[5]
Para Cançado Trindade, a subjetividade internacional do indivíduo constitui, em última análise, a grande revolução jurídica operada pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos ao longo da segunda metade do século XX e hoje consolidada de modo irreversível.[6]
Muito se tem discutido sobre a existência ou não de força vinculante das decisões dos órgãos internacionais que compõem o sistema global da ONU e regional da Organização dos Estados Americanos (OEA) de proteção e promoção dos direitos humanos. Alguns sustentam que haveria uma ingerência indevida em assuntos nacionais quando acatamos manifestação desses órgãos, ferindo o princípio da soberania nacional. Mas o que é o Comitê de Diretos Humanos do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos da ONU? Suas manifestações têm força cogente ou são soft laws?
Após o depósito do respectivo instrumento de ratificação ou adesão do pacto, tratado ou convenção internacional de direitos humanos, os Estados obrigam-se formalmente perante a comunidade internacional a adotarem medidas legislativas, administrativas e judiciais necessárias à realização dos direitos reconhecidos no referido documento jurídico e se comprometem a cumprir as recomendações dos órgãos que supervisionam a implementação de tais normas. O compromisso assumido perante a comunidade internacional já é suficiente para suscitar responsabilidade em caso de descumprimento, pouco importando para o órgão ou comitê que supervisiona a sua implementação e para os outros países signatários se (e de que forma) o país internalizou e recepcionou ou não as normas do tratado, preocupando-se apenas com sua execução.[7] É isso que preceitua o art. 26 da Convenção de Viena de 1969: “Todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa fé”. O princípio pacta sunt servanda deve também e principalmente ser aplicado na ordem internacional. Se o Estado soberano ratificou o tratado internacional voluntariamente, tem de cumpri-lo! Qualquer movimento em sentido contrário poderá resultar em mora ou inadimplência do país signatário do tratado perante a comunidade internacional.
Nesse sentido, o Comentário Geral n° 31 do próprio Comitê de Direitos Humanos estabelece ser vinculante a aplicação do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP), estabelecendo que “as obrigações estipuladas (…) têm força vinculante para os Estados Partes e, nestas condições, não têm um efeito horizontal direto como elemento do direito internacional. Não se pode considerar que o Pacto seja suplementar ao direito civil criminal ou civil.”[8]
É também importante ressaltar que, por força do disposto no art. 5°, § 2°, da Constituição, “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Nos casos de tratados internacionais de direitos humanos, como é o caso do PIDCP, sua validade é supralegal, como inclusive já decidiu o Supremo Tribunal Federal.[9] Vale, por isso, o PIDCP, mais do que a lei das eleições, a lei das inelegibilidades ou a lei de execução penal. Assim, desrespeitar os tratados de direitos humanos e as recomendações emanadas dos órgãos que supervisionam a sua implementação é violar direito e garantia também assegurados pela Constituição.
Para a doutrina majoritária, não há mais dúvidas sobre o caráter cogente/vinculativo das manifestações e pronunciamentos de órgãos internacionais judiciais, como os proferidos por tribunais, tais como a Corte Internacional de Justiça e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH). Nesse caso, do descumprimento das obrigações contraídas por força de um tratado, resultam inadimplência e responsabilidade internacional, podendo o Estado ser condenado a reparar o dano, obrigado a garantir que não se repita a inadimplência e a cessar qualquer violação de deveres inerentes. As sentenças da Corte IDH, por exemplo, são obrigatórias para os Estados que reconheceram sua competência em matéria contenciosa. Uma vez identificada a violação, exige-se de imediato a reparação do dano e, às vezes, impõe-se também o pagamento de justa indenização a quem de direito. Pela redação do art. 68, §§ 1º e 2º da Convenção Americana de Direitos Humanos, os Estados-membros comprometem-se a cumprir as decisões emanadas da Corte (sentenças internacionais), podendo ser executadas no respectivo País.
Vale ressaltar que, na grande maioria dos países da Europa ocidental, já há muito é aceito sem controvérsia o controle de convencionalidade (que se baseia no controle de compatibilidade das normas nacionais com os tratados internacionais ratificados e em vigor no país). No contra fluxo, aqui, ainda se levanta a bandeira retumbante da soberania impermeável, onde se admite que o Estado fulmine tudo o que não lhe agrade, incluindo as decisões de órgãos internacionais vigilantes do resguardo da dignidade humana, que protege o indivíduo justamente dos arbítrios do poder estatal soberano! É o que todos devem compreender: os sistemas globais da ONU e regionais em cada continente de proteção e promoção dos direitos humanos servem para assegurar a todos os indivíduos a qualidade de “sujeitos de direito internacional”, protegendo-os principalmente do poder do Estado aos quais estão vinculados. A controvérsia surge quanto ao poder vinculante das manifestações dos órgãos quase-judiciais, como, por exemplo, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA e o próprio Comitê de Direitos Humanos (CDH) do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP) da ONU.
No sistema global de proteção dos direitos humanos, além dos direitos e garantias previstos nos tratados adotados pelas Nações Unidas, na tentativa de assegurar a sua efetivação, criou-se também sistemática internacional de monitoramento e controle — a chamada international accountability. Dessa forma, foram estabelecidos órgãos de supervisão que controlam a implementação dos tratados internacionais (como, por exemplo, o Comitê de Direitos Humanos da ONU para o cumprimento do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos) e mecanismos de monitoramento voltados à sua efetivação, como, por exemplo, as comunicações (direito de petição) provenientes de indivíduos que se considerem vítimas de violação de qualquer dos direitos enunciados no Pacto. Assim, o Comitê de Direitos Humanos é um órgão do PIDCP, responsável por velar pelo cumprimento das obrigações que os Estados Partes assumiram ao se vincularem voluntariamente ao tratado.
Na Comunicação n° 2.841/2016, apresentada em favor de Luiz Inácio Lula da Silva, o Comitê deferiu medida de natureza cautelar (ou interim measure), impondo ao Estado brasileiro a adoção de determinadas ações emergenciais destinadas a evitar o perecimento de direitos políticos do interessado, até que se chegue a uma solução final sobre a demanda.[10] A medida está prevista na Regra 92 do Regulamento do Comitê de Direitos Humanos do PIDCP: “O Comitê poderá, antes de encaminhar sua decisão sobre a comunicação ao Estado Parte interessado, informar esse Estado de sua opinião sobre a conveniência de adotar medidas provisórias para evitar danos irreparáveis à vítima da violação denunciada. Nesse caso, o Comitê informará ao Estado Parte interessado que esta sua manifestação sobre as medidas provisórias não implica qualquer decisão sobre o mérito da comunicação.”[11]
Em sua Observação Geral n° 33, o próprio Comitê advertiu: “Todo Estado parte que não adote medidas cautelares ou provisórias viola a obrigação de respeitar de boa fé o procedimento das comunicações individuais estabelecido no Protocolo Adicional ao PIDCP.” Ademais, no caso Piandiong e outros x Filipinas (2000), o próprio Comitê do PIDCP decidiu que o descumprimento de uma interim measure representava uma grave violação do direito internacional: “5.2. (…) um Estado Parte comete graves violações de suas obrigações previstas no Protocolo Facultativo se age para impedir ou frustrar o exame pelo Comitê de comunicação que alegue violação do Pacto, tornar discutível a análise do Comitê ou inúteis e fúteis a manifestação de sua opinião”.[12]
Se os comitês são estabelecidos exclusivamente para monitorar a implementação dos tratados internacionais de direitos humanos, seria um contrassenso não reconhecer a força vinculante de suas manifestações. Esses órgãos fazem parte do sistema global/regional de direitos humanos, que consagra harmonia jurisdicional na sua proteção e promoção.
Não é outro o problema senão a falta de seriedade em assumir um compromisso internacional em prol da dignidade humana. Não entendemos que o respeito perante a comunidade internacional (inclusive o que garante a credibilidade para os investimentos econômicos) advém da capacidade de nosso País demonstrar de maneira concreta sua boa-fé no cumprimento de seus compromissos. Internacionalmente, somos vistos como um país menor no quesito proteção e promoção de dignidade humana, decorrente, na maioria das vezes, de uma compreensão anacrônica da soberania nacional, capaz de não aplicar, por puro interesse ideológico, normas previstas nos tratados internacionais de direitos humanos que o Brasil, ao ratificá-los, se comprometeu a implementar.
Como bem assevera Bonavides, a noção de soberania passa por inequívoca crise existencial, ao passo que as fronteiras nacionais não se constituem como limites absolutos do Estado no que tange à proteção dos direitos humanos. Diante desta crise contemporânea do conceito de soberania, a noção de que as fronteiras seriam limites intransponíveis foi relegada a ideologias idiossincráticas, havendo premente necessidade de revisão deste conceito e do estabelecimento de uma efetiva ordem internacional em matéria de proteção e promoção dos direitos humanos, “vindo esta ordem ter um primado sobre a ordem nacional”.[13]
Na verdade, é triste, lamentável mesmo dizer, mas o histórico brasileiro no tema não é outro senão o de violar, regular e sistematicamente, as normas dos tratados internacionais de direitos humanos e o de simplesmente ignorar as decisões/recomendações de seus órgãos de supervisão. Ainda não consolidamos por aqui, nestes trópicos abaixo do Equador, uma verdadeira cultura de observância dos direitos humanos, das normas internacionais e da jurisprudência dos órgãos que supervisionam a implementação dos tratados. O Brasil tem como constitucional, por exemplo, a lei de anistia, que fez por inocentar torturadores e assassinos durante a ditadura, em desrespeito, porém, à decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA, no caso Gomes Lund e Outros x Brasil (Guerrilha do Araguaia).[14] É extensa nossa lista de situações em mora ou inadimplência para com a comunidade internacional. O Brasil já foi condenado outras seis[15] vezes pela Corte Interamericana desde que reconheceu a sua jurisdição obrigatória, mas não tem cumprido inteiramente as suas decisões.
No caso Damião Ximenes (pessoa com deficiência mental, que morreu espancada enquanto internada em hospital psiquiátrico), o Brasil não deu integral cumprimento à decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, tendo se limitado, praticamente, ao cumprimento das sanções pecuniárias impostas em prol das vítimas do caso. Doze anos após a sentença, os responsáveis, condenados em ação cível a pagar R$ 150 mil de indenização aos familiares de Damião Ximenes, ainda não efetivaram o pagamento. Conforme o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), o processo ainda está em fase de execução.
Em outro caso, o Brasil foi condenado pela Corte em razão do descumprimento da obrigação de investigar e punir o homicídio de Sétimo Garibaldi[16], ocorrido em 1998, durante o despejo de famílias de trabalhadores sem-terra em uma fazenda no Estado do Paraná. Três anos após a decisão, o órgão denunciou o seu descumprimento parcial, cobrando do País que acelerasse eficazmente o processo para identificar, julgar e, eventualmente, punir os autores da morte de Garibaldi. Depois de transitado em julgado o processo em 2016, e mantida a decisão do Tribunal de Justiça do Paraná que decidiu pelo trancamento da ação penal, o caso está hoje na fase de supervisão pela Corte Interamericana.
O que se observa é que o Brasil vem descumprindo seu próprio ordenamento jurídico e, não menos importante, também o sistema internacional de proteção de direitos humanos. Há uma legitimação praticamente institucional na falta de compliance em implementar no âmbito doméstico as decisões e recomendações que visem a harmonizar o ordenamento jurídico com a realidade de proteção aos direitos humanos existente (que é o controle de convencionalidade), a fim de promover a preservação da dignidade humana. Como ser um país civilizado, livre do descaso e pronto para enfrentar os desafios econômicos e políticos atuais, se parcela da sociedade e, inclusive, de sua própria comunidade jurídica, não levam a sério o cumprimento de decisões internacionais que tentam reestabelecer os requisitos mínimos para se garantir o exercício de direitos fundamentais consagrados nos tratados, pactos e convenções de direitos humanos? Precisamos reverter essa tendência histórica, de um país que não tem sido capaz de se submeter à ordem e aos preceitos de civilidade ocidental do mundo livre.
Notas
[1] O termo provém da chamada Paz de Westphalia (1648), que reconheceu explicitamente uma sociedade de Estados fundada no princípio da soberania absoluta territorial, não intervenção em assuntos internos dos demais e a independência dos Estados.
[2] Peter Harbele idealiza o modelo de estado constitucional cooperativo como uma comunidade universal, em um contexto em que os estados não existem mais para si mesmos, mas, sim, como referência para os outros Estados constitucionais membros de uma comunidade. (HÄBERLE, Peter. Estado constitucional cooperativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2007)
[3] Ingo Sarlet afirma que o termo direitos fundamentais se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão direitos humanos guardaria relação com os documentos de Direito Internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que portanto aspiram a validade universal para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional. (SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998). O sistema internacional de proteção aos direitos humanos é composto pelo sistema global, representado pela ONU, e pelos sistemas regionais: europeu, interamericano e africano. Essa distribuição tem como fulcro fortalecer os direitos humanos em dois níveis de garantias: aquele alberga todas as nações, enquanto este se solidifica suas bases pela maior homogeneidade cultural e institucional de seus membros.
[4] Tal ideia está diretamente vinculada com a teoria do interconstitucionalismo lançada por Canotilho, que se mostra como uma alternativa mais adequada em um cenário em que “(…) as decisões dos Estados têm cada vez mais efeitos extraterritoriais, em virtude das interdependências globais.” De acordo com o autor, (…) “mantêm-se as pretensões de direção do Estado. Mas, com uma grande diferença: em vez do velho “estado heroico”, hierarquicamente intervencionista, deve erguer-se o “Estado pós-heroico” – o Estado supervisor – que, através de uma direção contextualizada (ou seja, através de uma auto vinculação), proporciona, mas não determina, as convenções-quadro para a prossecução do bem comum.” (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003)
[5] TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. El ejercicio de la Funcion Judicil Internacional – Memorias de la Corte Interamericana de Derechos Humanos. Belo Horizonte: Del Rey, 2011, p.41
[6] TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Desafios e Conquistas do direito internacional dos direitos humanos no início do século XX. 2016, p.412.
[7] Cumpre ressaltar que o Brasil é Estado Parte do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP), tratado internacional que tem vigência interna. O texto foi promulgado pelo presidente Fernando Collor de Mello, mediante o Decreto 592/1992 e aprovado pelo Congresso Nacional. Ato contínuo, o Brasil aderiu ao Protocolo Facultativo ao PIDCP, que regula as comunicações individuais ao Comitê de Direitos Humanos. Embora não haja Decreto Presidencial promulgando, o texto foi aprovado pelo Congresso Nacional mediante o Decreto Legislativo 311/2009.
[8]“las obligaciones estipuladas (…)tienen fuerza vinculante para los Estados Parte y, en estas condiciones, no tienen un efecto horizontal directo como elemento del derecho internacional. No cabe considerar que el Pacto es supletorio del derecho penal o civil interno.” ONU, Observação Geral nº 31, tradução nossa.
[9] A tese da supralegalidade dos tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja signatário defende que esse tipo de documento internacional, em nosso sistema jurídico, tem força de lei supralegal, estando acima de lei ordinária e abaixo da Constituição. Acatando tal posicionamento, o ministro do STF Gilmar Ferreira Mendes, em seu voto proferido no julgamento do Recurso Extraordinário – RE 466.343, em 22 de novembro de 2006: “[…] a mudança constitucional ao menos acena para a insuficiência da tese da legalidade ordinária dos tratados já ratificados pelo Brasil, a qual tem sido preconizada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal desde o remoto julgamento do RE n. 80.004/SE […] Continua seu voto afirmando, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, sem sombra de dúvidas, tem de ser revisitada criticamente […] Assim, a premente necessidade de se dar efetividade à proteção dos direitos humanos nos planos interno e internacional torna imperiosa uma posição quanto ao papel dos tratados internacionais sobre direitos na ordem jurídica nacional”.
[10] Já há um histórico de medidas provisórias proferidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos destinadas a preservar direitos humanos em relação a eventos ocorridos no Brasil, como por exemplo, no Caso da Penitenciária de Urso Branco, em Rondônia, quando a corte determinou certas medidas de urgência – expressas em cinco resoluções.
[11] “El Comité podrá, antes de transmitir su dictamen sobre la comunicación al Estado parte interesado, comunicar a ese Estado su opinión sobre la conveniencia de adoptar medidas provisionales para evitar un daño irreparable a la víctima de la violación denunciada. En tal caso, el Comité informará al Estado parte interesado de que esa expresión de su opinión sobre las medidas provisionales no implica ninguna decisión sobre el fondo de la comunicación.” Regulamento do Comitê de Direitos Humanos do PIDCP, regra 92, tradução nossa.
[12] “a State party commits grave breaches of its obligations under the Optional Protocol if it acts to prevent or frustrate consideration by the Committee of a communication alleging a violation of the Covenant or to render examination by the Committee moot and the expression of its views nugatory and futile.” ONU, Observação Geral nº 33, tradução nossa.
[13] BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p.143.
[14] No julgamento do caso Gomes Lund e outros x Brasil, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado brasileiro por, entre outras razões, não ter conduzido, de maneira eficaz, a punição dos responsáveis pelas violações de direitos humanos perpetradas durante a ditadura. Na fundamentação da sentença, declarou a inaplicabilidade da Lei da Anistia.
[15] Casos em fase de supervisão: Caso Ximenes Lopes x Brasil; Caso Garibaldi x Brasil; Caso Favela Nova Brasilia x Brasil; Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde x Brasil; Caso Povo Indígena e seus membros x Brasil; Caso Herzog e outros x Brasil.
[16] CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Garibaldi Vs. Brasil. Sentença de 23 de Setembro de 2009. (Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas). Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_203_por.pdf. Acesso em: 24.8.2018.
Joelson Dias – Mestre em Direito pela Universidade de Harvard. Ex-Ministro substituto do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Advogado e sócio do escritório Barbosa e Dias Advogados Associados (Brasília-DF). Vice-Presidente da Comissão Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CF/OAB). Foi Procurador da Fazenda Nacional e servidor concursado do Tribunal Superior Eleitoral e da Câmara Legislativa do Distrito Federal. Representou o CF/OAB no Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos (CNEDH), no Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e no Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência (CONADE), órgãos vinculados à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Foi assistente da Promotoria no Tribunal Penal Internacional para a Ex-Iugoslávia, em Haia, na Holanda e atuou como Consultor na Missão Civil Internacional da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização dos Estados Americanos (OEA) no Haiti. É membro fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP).
Ana Luísa Cellular Junqueira – Doutoranda pela Universidade de Coimbra. Mestre em Direitos Humanos pela Universidade do Minho (Braga, Portugal). Advogada e consultora em temas de Direitos Humanos do escritório Barbosa e Dias Advogados Associados (Brasília-DF).