O estupro da jovem carioca de 16 anos está ocupando o noticiário nos veículos convencionais e nas redes sociais. A reação provocada pela barbárie não demorou a ser ofuscada pelo histórico comportamento misógino, próprio de uma sociedade machista e conservadora que, mais do que nunca, não se intimida em assumir-se como tal. Culpar a vítima do abuso pelo abuso sofrido é sempre o caminho mais curto, mais rápido e mais fácil para uma pessoa, um grupo, uma comunidade, uma sociedade incapaz de reconhecer, quem dirá de assumir, sua incompetência e/ou indisposição para conviver com a diversidade, com a diferença, com as liberdades individuais.
No caso desta jovem que, segundo estimativas, é apenas uma entre 11 vítimas de estupros denunciados que ocorrem por hora no Brasil, o absurdo é ainda maior porque, mesmo sendo uma agressão em massa, ainda persistem em atribuir a ela, vítima, a responsabilidade pela violência sofrida. Se desvencilhar-se de um agressor não é possível, imagine de uma tropa! O fato é que se é um ou se são vários, o enredo é o mesmo: primeiro culpa-se a vítima, depois nega-se os fatos, agrega ao comportamento da vítima a falta de lucidez e, por fim, a convence de que o melhor a fazer é manter-se no silêncio profundo e solitário de sua dor, onde acabará se convencendo de que lá estará protegida.
De novo a história se repete. O Estado, responsável pela proteção da vítima, via de regra, vê-se representado por sujeitos imersos na velha cultura de acusar a mulher de provocar o seu agressor, entendendo-o não como um sujeito da ação, um violador, mas como alguém que reage a uma situação favorável, neste caso, a de subjugar aquela que lhe ativou seus instintos mais primitivos. Por mais que as mulheres tenham conquistado políticas que lhe assegurem o direito à proteção de toda forma de violência, os agentes públicos, porta-vozes do Estado, são frutos bem cultivados de uma sociedade impregnada de um machismo cada vez menos velado, que tem se espraiado, escancaradamente, nas estruturas de poder.
Ainda que a Psicologia e a Sociologia tentem desvendar, para desconstruir, os mecanismos que estão na base de tal comportamento, seja o da agressão, seja o da aceitação social da inversão da culpa, a superação de uma realidade tão cruel para com as mulheres requer ação permanente, junção de forças e o bradar das vozes indignadas contra a naturalização da agressão, contra o despreparo dos agentes públicos, contra toda tentativa de retrocesso nas conquistas que assegurem a proteção da vida e da dignidade da mulher. A omissão, a conformação, e o silêncio só cultivam uma cultura, a do estupro, que mais cedo ou mais tarde pode ecoar no quintal da própria casa.
Laisy Moriére é Secretária Nacional de Mulheres do PT