Incomodamos o Brasil nas últimas décadas. Conquistamos e construímos políticas públicas, transformamos violência contra a mulher em crime com a lei Maria da Penha, tipificamos nossos assassinatos, fomos pra cima do mercado de trabalho, somos maioria nos bancos universitários, cobramos representatividade e respeito na publicidade, demos luz a necessidade da nossa autonomia, gritamos pelo direito aos nossos corpos. Tornamos legal a prática de aborto para vítimas de estupros, para salvar a vida materna e para casos de bebês anencéfalos. Como se não bastasse elegemos a primeira mulher presidenta deste país.
Fomos longe demais, muito longe. A misoginia precisava gritar mais alto, ela precisava nos recolocar em nosso lugar de direito. Ela deu a liga precisa as diversas pautas conservadoras que visavam constituir a derrubada de Dilma Rousseff, a misoginia foi o combustível do ódio que mobilizou o impeachment.
A bela, recatada e do lar, vem junto com o governo ilegítimo de Temer. E junto as diversas peças publicitárias com mensagens ideológicas diretas, esta veio em uma matéria da revista Veja para nos dizer onde o espaço da mulher era tolerado na política. “A quase primeira-dama, 43 anos mais jovem que o marido, aparece pouco, gosta de vestidos na altura dos joelhos e sonha em ter mais um filho com o vice. Marcela Temer é uma mulher de sorte”, revista Veja de abril de 2016.
Vejamos, estamos aqui tratando de apenas um recorte, as mulheres brancas das classes econômicas privilegiadas. Aquelas as quais quer se dar uma cidadania tutelada. Não da maioria das mulheres, maioria negra, que são as que tem a cidadania negada e/ou negligenciada.
A luta pela participação política das mulheres tem seu ápice no Brasil em 1919 com Bertha Lutz, fundadora da Liga pela Emancipação Intelectual da Mulher. As mulheres brasileiras conquistaram o direito ao voto em 1932, no governo de Getúlio Vargas, mas com restrições e a obrigatoriedade era apenas masculina. A partir de 1946 as restrições são eliminadas e as mulheres também passam ter o voto obrigatório. A partir de então as mulheres passam a contar com acanhada participação em algumas casas parlamentares brasileiras.
Ainda hoje, após os diversos avanços que tivemos, a representação feminina nos espaços institucionais é bastante limitada. Em 2018 elegemos 15% de mulheres na composição da Câmara dos Deputados, ainda assim um aumento em 51% maior que na eleição anterior de 2014.
De toda forma, para além dos números vivemos uma realidade de sufocamento da pauta de direitos. Há uma tentativa de sufocamento de nossas reinvindicações, e retrocessos em tantas outras, com expressões nítidas de tentar nos cercear e nos alocar em nossa posição “correta” perante o poder.
A tentativa de construção pública de Michelle Bolsonaro, com intensa recuperação do damismo, vai neste mesmo sentido. De forma mais popularesca há uma ação para construção de uma esposa religiosa, ligada a setores fundamentalistas cristãos, que cuida da família e se preocupa com aqueles que mais necessitam. Seja lá o que isso quer dizer, pode ser que inclua até o sumido Queiroz.
Contudo, temos milhares vozes mobilizadas em todo o país contra o triunfo deles, fomos milhares as ruas para dizer #EleNão. Dissemos muito alto que teria resistência, um movimento composto em grande maioria por mulheres jovens.
A luta feminista, na sua diversidade, tem como ponto de encontro a luta pela liberdade e pela autonomia perante nossas vidas. Germinamos de muitas sementes, de suor e também de sangue, não serão jogadas de marketing que nos farão recuar perante a aquilo que já conquistamos. Continuaremos aqui, para ser a contra-mola mais forte que resiste a agenda fascista para o Brasil!
Laura Sito é jornalista, vereadora suplente PT/POA e membro do Coletivo Nacional de mulheres do PT
*Artigo publicado originalmente no site Sul 21