Gostaria de cumprimentar o presidente Ramaphosa por dedicar este debate à parceria dos BRICS com o Sul Global e, em especial, com a África.
É hora de revitalizar a cooperação entre os países em desenvolvimento.
Vemos, hoje, o surgimento de novos desafios, que se somam a problemas de longa data.
Fomos atingidos por uma pandemia, por novos conflitos e por uma grave emergência climática, no momento em que trabalhávamos pela implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Quando adotada, a Agenda 2030 traçava uma rota para um futuro melhor.
Hoje, metade das metas está atrasada e houve estagnação ou retrocesso em quase um terço delas.
A insegurança alimentar regrediu para os patamares de 2005.
A democracia, em vários lugares, se vê ameaçada pelo extremismo ou corroída pela xenofobia.
E estamos, mais uma vez na história, sob o risco de uma guerra nuclear.
O mundo andou para trás.
Muitas das respostas que buscamos para uma construir um mundo mais equitativo estão na África.
A Covid-19 ceifou milhões de vidas, mas – apesar dos obstáculos injustificáveis ao acesso a vacinas – a África apresentou taxas de mortalidade baixas.
Enquanto preocupações de segurança limitam cada vez mais o compartilhamento de tecnologias, a União Africana lança estratégia de transformação digital e centenas de startups e centros de inovação surgem na África.
Ao mesmo tempo em que proliferam medidas unilaterais que ameaçam a integridade do regime comercial, o continente africano se transforma na maior área de livre comércio do planeta, com 1,3 bilhão de pessoas e PIB combinado de 3,4 trilhões de dólares.
À medida que órgãos multilaterais falham ao responder a ameaças à paz, a União Africana assume crescente protagonismo na resolução de conflitos.
De um lado, alianças excludentes renascem e acirram tensões, e, de outro, países africanos e latino-americanos se unem para preservar a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul.
Mas, assim como em outras regiões, na África também ficam evidentes os grandes constrangimentos impostos a países em desenvolvimento.
As promessas da globalização não se cumpriram.
Muitas nações se veem, hoje, tolhidas por dívidas impagáveis.
Nos últimos anos, o volume de recursos direcionados a países do Sul Global, via comércio e investimentos, vem diminuindo.
A maior parte do mundo em desenvolvimento depende da exportação de commodities, cuja demanda é volátil, e da importação de bens de primeira necessidade, cujos preços dispararam.
Ao mesmo tempo, instituições financeiras impõem juros elevados e condicionalidades que estreitam o espaço de atuação do Estado.
É impossível promover o desenvolvimento sustentável se o orçamento público é consumido pelo serviço da dívida.
O combate à mudança do clima nos oferece a oportunidade de repensar modelos de financiamento, comércio e desenvolvimento.
A transição energética não pode reeditar a relação de exploração do passado colonial.
Precisamos de soluções que diversifiquem e agreguem valor à produção de países em desenvolvimento.
O sinal mais evidente de que o planeta está se tornando um lugar mais desigual é o crescimento da fome e da pobreza.
Isso é inaceitável. Apesar da sua magnitude, esses problemas não são tratados com a urgência que merecem.
As emissões do 1% mais rico da população mundial são 100 vezes maiores que as dos 50% mais pobres.
Como disse a ambientalista queniana Wangari Maathai, ganhadora do Nobel da Paz, “gostamos muito de culpar os pobres pela destruição do meio ambiente. Mas, frequentemente, são os poderosos, incluindo os governos, os responsáveis”.
Existem formas sustentáveis de ampliar a produtividade agrícola, gerar renda e oferecer proteção social.
Foi isso que discutimos na Cúpula da Amazônia, em Belém, no começo deste mês. E que queremos discutir com os países das demais bacias tropicais, a do Congo e a do Bornéu-Mekong.
O Brasil vai assumir a presidência do G20 em dezembro e quer recolocar a redução das desigualdades no centro da agenda internacional.
Não podemos fazer isso sem maior representatividade para a África. Por isso defendemos o ingresso da União Africana como membro do G20.
Com minha vinda à África do Sul – de onde seguirei para Angola e para São Tomé e Príncipe –, pretendo inaugurar uma nova agenda de cooperação entre o Brasil e a África.
Vamos retomar nossa vocação universalista e reconstruir nossos vínculos históricos com os países em desenvolvimento.
A prosperidade só é plena quando compartilhada.
A presença, aqui, de dezenas de líderes do Sul Global mostra que o mundo é mais complexo do que a mentalidade de Guerra Fria que alguns querem restaurar.
Em vez de aderir à lógica da competição, que impõe alinhamentos automáticos e fomenta desconfianças, temos de fortalecer nossa colaboração.
Um mundo com bem-estar para todos só é possível com uma ordem internacional mais inclusiva e solidária.
Muito obrigado.