Ana Clara, Agência Todas
A cada duas horas, uma mulher é assassinada no Brasil. Em 2019, mais de 4 mil mulheres foram mortas, segundo o Atlas da Violência 2020. Esse tipo de crime, chamado feminicídio, contabiliza a morte de mulheres em razão de gênero.
Em outras palavras, o feminicídio é um termo de crime de ódio baseado no gênero, amplamente definido como o assassinato de mulheres em contexto de violência doméstica ou em aversão ao gênero da vítima — como a misoginia.
A característica fundamental do feminicídio é que ele ocorre, geralmente, em âmbito doméstico e/ou por conhecidos da vítima — principalmente por companheiros, ex-companheiros e parentes de maior ou menor grau do sexo masculino.
Já o termo lesbocídio busca dar conta da especificidade dos assassinatos de mulheres lésbicas por motivo de lesbofobia ou ódio, repulsa e discriminação contra a existência lésbica.
“Diferentemente do feminicídio, o lesbocídio não ocorre comumente no âmbito doméstico e vincula-se ao conceito de tentativas de extermínio de lésbicas”, afirma a pesquisadora Camila Rocha, da UFSC.
Ainda que ambos — feminicídio e lesbocídio — sejam motivados por misoginia, o lesbocídio tem em particular a característica do ódio a um determinado tipo de mulher que se pretende extinguir. Nesse sentido, portanto, a lesbofobia está diretamente relacionada à desvalorização da vida de lésbicas, por parte da sociedade, e ao fato de sua insubmissão ao padrão heteronormativo que pressupõe a dominação masculina, sobretudo, das mulheres heterossexuais.
Segundo o Dossiê Sobre Lesbocídio, do Núcleo de Inclusão Social da UFRJ, 55% dos casos acontecem em não-feminilizadas, ou seja, que não aparentam o ideal de feminilidade que a sociedade impõe às mulheres; e 83% são mortas por homens.
No entanto, diferentemente dos casos de feminicídio, por exemplo, em que mulheres são mortas por homens próximos ou conhecidos (namorado, marido, ex, pai, irmão), as lésbicas são atacadas por desconhecidos — homens que as abordam na rua e as espancam até morrer.
Camila Rocha Firmino, em artigo, explica que na maioria dos casos tratados pela pesquisa do Dossiê, as investigações desses crimes foram prejudicadas por conclusões apressadas que relacionavam os assassinatos ao tráfico de drogas em decorrência da associação, por parte do poder público, da pobreza das vítimas à criminalidade, sobretudo, nos casos que envolviam a população negra. Assim, a impunidade desses assassinatos, além de configurarem racismo institucional, representam expressões de eugenia.
A invisibilidade institucional do recorte lésbico e racial nos dados demonstra a violência institucional a que as lésbicas e, sobretudo, lésbicas negras está submetidas.
Os últimos dados públicos sobre lesbocídio datam de 2018 e foi fruto de uma intensa pesquisa realizada por pesquisadoras da UFRJ. Outras fontes institucionais para análise de dados de violência como o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Atlas da Violência não apresentam o recorte lésbico na publicização de seus dados.
De maneira geral, é possível trabalhar com os dados recentes mais abrangentes para identificar a escalada geral da violência contra a comunidade LGBTQIA+, na qual as mulheres lésbicas estão incluídas. De acordo com o Atlas da Violência 2020, foram notificados 9.223 casos de violência contra LGBTQIA+.
Ainda que os dados com recortes de lésbicas e negras fossem publicizados, a falta de debate público sobre o tema nos órgãos de segurança, a ausência de formação em Direitos Humanos, o machismo e o racismo institucional, e o próprio preconceito arraigado também dificultam a tipificação do lesbocídio gerando, além da impunidade, a produção de dados que não corresponde à realidade que as mulheres lésbicas enfrentam todos os dias.