Seria muito difícil que alguém como Jair Bolsonaro não incorresse em um crime de responsabilidade dada sua absoluta falta de habilidade política e desprezo pela democracia. Não demorou. A confissão do crime de obstrução de justiça deve ser o “Fiat Elba” de quem já deveria ter perdido o mandato de deputado por homenagear a tortura e um torturador no Congresso Nacional.
O impeachment é uma necessidade que se impõe ao país, que não aguentará quatro anos de uma gestão que, além de atrapalhada, tem como maior interesse se proteger dos crimes que cometeu e promover uma guerra ideológica que não precisamos. Não sou eu que quero antecipar o calendário eleitoral ao propor o impedimento de Bolsonaro, é o próprio presidente que faz isso, ao se mostrar incapaz de descer do palanque e pensar o país.
A presidenta Dilma Rousseff, como se sabe, foi impedida sem que tivesse havido crime de responsabilidade, mas por um “conjunto da obra”, segundo alguns congressistas à época. Se tivesse os mesmos escrúpulos dos que golpearam a democracia, teria entrado na campanha pelo impeachment do atual presidente mais cedo. Afinal de contas, o “conjunto da obra” de Bolsonaro nos levou à condição de pária global, quando outrora nos destacávamos graças à política externa independente, ativa e altiva de Lula e de Celso Amorim.
O “conjunto da obra” bolsonarista ofende chefes de Estado e suas esposas, tenta promover nepotismo em embaixadas, ataca a imprensa, a OAB e instituições como o STF; é negligente quanto às respostas que devem ser dadas aos desastres na Amazônia e nas praias nordestinas, tem envolvimento com milicianos, com candidaturas-laranja e intensifica a crise econômica com a política ultraliberal de Guedes.
O “conjunto da obra” de Bolsonaro é incomparável. Porém, o que suscita um impeachment é a existência de um crime de responsabilidade. Segundo a Lei 1079/50, no 12º artigo, inciso 1º, é crime de responsabilidade “impedir, por qualquer meio, o efeito dos atos, mandados ou decisões do Poder Judiciário”. E foi exatamente o que fez o presidente ao apoderar-se da memória da secretária eletrônica da portaria, que mostraria seu envolvimento com os assassinos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Como bem lembrou a jornalista Tereza Cruvinel, ao dizer “nós pegamos” (a gravação), Bolsonaro assume a autoria do ato.
Qual o interesse de Bolsonaro em atrapalhar as investigações do caso Marielle? E por que, segundo o jornalista Lauro Jardim, Bolsonaro mandou que Fabrício Queiroz destruísse seu celular? Vale lembrar que o deputado federal Alexandre Frota já havia divulgado um vídeo em que o presidente da República pessoalmente tratava de blindar seu amigo pessoal e ex-assessor de seu filho. Essas perguntas, “seu Jair” terá que responder, de preferência fora do governo, deixando o Brasil seguir em frente.
Uma verdadeira milícia está no poder no Brasil e não falo apenas do fato da proximidade (literal) entre o clã Bolsonaro e milicianos. O mesmo filho do presidente que afirmou que fecharia o STF com um “soldado e um cabo” defendeu um “novo AI-5”, instrumento usado pelo regime militar que fechou o Congresso e permitiu a censura nas artes e na imprensa, além de prisões arbitrárias, torturas e desaparecimentos (lembrando que atentar contra a democracia é crime previsto no artigo 5º da Constituição). Outro filho demite ministros, controla o alucinado Twitter presidencial e afirma que não se pode mudar o país por “vias democráticas”. O outro rebento, senador pelo Rio de Janeiro, manteria o mesmo ritmo, se não estivesse acuado pelo escândalo Queiroz.
O episódio envolvendo outro Queiroz, o Élcio – que teve a entrada liberada no condomínio Vivendas da Barra após dizer que iria na casa 58, de Jair Bolsonaro, e não na de Ronnie Lessa – deve ser apenas a ponta de um iceberg, mas que pode ser suficiente para livrar o Brasil de um clã despreparado e explosivo.
Diante de tantos ataques à democracia, não podemos esperar que Bolsonaro cometa outro crime de responsabilidade para agirmos. Merece sair porque nunca mereceu ter entrado. Sua eleição é fruto da prisão de Lula, da falta de crença na política produzida pela grande mídia, do golpe de 2016, da atuação política do juiz Sérgio Moro e da Lava Jato e de fake news disparadas ilegalmente.
Bolsonaro já confessou que, se pudesse, exterminaria seus opositores. Nós temos um motivo real, democrático e constitucional para impedi-lo.
Reginaldo Lopes é deputado federal