Cada dia fica mais evidente que a instabilidade política é o principal obstáculo para que o Brasil enfrente com sucesso a crise econômica. É verdade que a situação da economia mundial piorou sensivelmente nos últimos meses, inclusive pelas dificuldades da China, com impacto negativo no Brasil e em todos os emergentes.
Mas não é menos verdade que um país grande e sólido como o Brasil, dispondo de ótimas perspectivas de médio e longo prazo, que todos os agentes econômicos reconhecem, tem plenas condições de superar a crise atual, como já superou outras bem maiores no passado.
O país pode perfeitamente resolver os seus problemas econômicos –e até com bastante rapidez– se tiver o ambiente político minimamente necessário para isso. O grande esforço fiscal realizado até agora já teria produzido resultados mais favoráveis se não fossem os efeitos danosos da instabilidade política.
Não há dúvidas de que é possível, com uma agenda adequada, continuar combatendo a inflação (os primeiros resultados nesse sentido já estão aparecendo), manter com firmeza o rigor fiscal e, ao mesmo tempo, tomar as medidas necessárias para sustentar o nível da atividade econômica–principalmente daquela voltada para o mercado interno, já que a depreciação do real está beneficiando naturalmente as exportações.
Nota-se, aliás, uma crescente convergência entre lideranças empresariais e de trabalhadores na defesa de uma agenda que, sem afetar o forte empenho do governo para reequilibrar as contas públicas, impeça o agravamento da recessão e estimule a gradativa retomada dos investimentos e da geração de empregos.
Iniciativas importantes que o governo tomou recentemente –como o lançamento do plano de concessões de infraestrutura e logística e do plano de investimentos em energia elétrica, além da ampliação do programa de financiamento do agronegócio e da agricultura familiar– podem seguramente contribuir para a superação da crise, desde que não sejam inviabilizadas pelo clima artificial de impasse político vigente no país.
Mais do que qualquer outro fator, é o prolongamento da instabilidade política e a tentativa cotidiana de transformá-la arbitrariamente em uma crise institucional que estão contaminando o ambiente de negócios, deixando inseguros produtores e consumidores e, na prática, constrangendo as decisões de investimento.
Se o Brasil quer efetivamente enfrentar e vencer a crise econômica, é preciso destravar esse processo. É imprescindível normalizar a vida política, garantindo que o governo e a iniciativa privada possam contar com um mínimo de tranquilidade e previsibilidade.
Terceiro turno – E devemos dizer com toda a clareza que isso exige uma mudança de atitude tanto da oposição como do governo. Uma atitude que a sociedade brasileira –a maior interessada no fim da crise– pode e deve cobrar de ambas as partes e de todas as demais instituições.
Por um lado, a oposição precisa, urgentemente, colocar um ponto final no insensato e danoso “terceiro turno” das eleições presidenciais. Recusando-se a aceitar o resultado inquestionável das urnas, que já transitou em julgado em todas as instâncias competentes, e colocando permanentemente em xeque a própria legitimidade do mandato presidencial, a oposição desrespeita a democracia e prejudica os esforços do país para recuperar sua economia.
O fato de que um partido como o PSDB, que já foi governo e não pode alegar ignorância na matéria, tenha votado na Câmara dos Deputados a favor da chamada “pauta bomba”, flagrantemente nociva ao país, é o maior exemplo dessa perda de sentido de responsabilidade que tem caracterizado a conduta da oposição depois da derrota eleitoral de 2014.
É óbvio que a oposição tem todo o direito de criticar o governo, opondo-se democraticamente a suas iniciativas e tentando credenciar-se pelo debate político para governar o país a partir das próximas eleições. Mas não tem o direito de subverter a democracia e muito menos o de sabotar o sacrifício que o país está fazendo para superar a crise.
Por outro lado, e com o mesmo sentido de urgência, o governo tem a obrigação intransferível de recompor a sua base de apoio no Parlamento, coesionando os partidos aliados em torno de uma agenda clara de superação da crise e de retomada do desenvolvimento. O governo pode ter todas as explicações do mundo para a desagregação da sua base política e parlamentar.
O que ele não tem é o direito de conformar-se com esse estado de coisas. Não pode de modo algum considerá-la natural e muito menos inevitável. Faz parte do mandato recebido construir e assegurar a governabilidade e para isso deve rever o que for necessário na estratégia seguida até agora, fazendo tudo o que estiver dentro de suas atribuições para consolidar a base aliada.
Se o governo não o fizer, ninguém fará por ele. E não vale alegar que o nosso sistema partidário é excessivamente pulverizado e fisiológico, o que é verdade mas só será resolvido com uma verdadeira reforma política que, entre outras coisas, elimine o financiamento privado das campanhas eleitorais.
Enquanto isso, compete ao governo, consciente da importância da governabilidade política para resolver os problemas práticos do país, fazer o máximo esforço para assegurá-la, o que não é apenas um direito, mas um dever.
Que ninguém se iluda: na crise atual tanto o governo quanto a oposição estão sendo testados pela sociedade. Engana-se quem supõe que somente o governo é avaliado e julgado pela população. A oposição, apesar de toda a sua blindagem midiática, também está submetida ao crivo da sociedade. E não necessariamente o desgaste de um fortalece a outra.
A tática absurda do “quanto pior, melhor” pode resultar em uma desmoralização do conjunto do sistema político. Para as pessoas comuns, o que interessa não é a disputa de poder, mas a situação do país e a sua própria condição de vida e trabalho.
A maioria do povo – especialmente as classes populares– nunca aposta no impasse e no agravamento da crise. Ela quer defender os seus direitos e, se possível, ampliá-los. Por isso, cobra de todos os atores a mesma responsabilidade com os destinos do país.
Luiz Dulci é diretor do Instituto Lula e ex-ministro da Secretaria Geral da Presidência da República (2003-2010)