A recente decisão do Supremo Tribunal Federal, ocorrida neste 17 de fevereiro, mudando a jurisprudência da Corte, passando a permitir que, depois de decisões de segundo grau confirmatórias de condenações criminais, a pena de prisão já seja executada, representa um retrocesso e um desastre humanitário.
A Corte Suprema tem o dever de garantir a observância da Constituição Federal e com esta decisão, o que vemos é a negação do princípio da presunção de inocência, esculpido no inciso LVII do artigo 5º, que estabelece que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Nosso sistema penal está sedimentado em garantias individuais que visam equilibrar a relação entre o Estado todo poderoso e o cidadão, na busca de Justiça. Esse sistema garantidor está construído em nossa Constituição Federal, que precisa ser observada e respeitada, antes de tudo e de todos.
Exatamente nos momentos de crise é que mais precisamos da nossa Constituição Federal, a garantir nosso sistema e nossas instituições, sem se admitir flexibilizações de seus conceitos duramente conquistados, a que pretexto for.
Enquanto o mundo busca caminhos para punir sem encarcerar, essa decisão privilegia o encarceramento antecipado, na contra mão da evolução do direito penal mundial.
Por mais que se sustente que a “voz das ruas” irá aplaudir essa decisão, lembremo-nos sempre que foi a “voz das ruas” que condenou à morte Jesus Cristo. Nossa justiça é realizada por homens e os homens são falíveis, assim, também nossa justiça é falível, cabendo-nos a todos, lutar para que tenhamos um sistema de garantias, a diminuir a falibilidade dessa justiça humana.
Todas as vezes que o mundo lançou mão de mecanismos que suprimiram garantias constitucionais do cidadão e que aumentaram o encarceramento, na busca de soluções para seus problemas ou para diminuir a criminalidade, o resultado foi frustrante e as consequências desastrosas para todos.
Negar o princípio da presunção de inocência, não é fechar uma janela da impunidade, mas é sim, abrir a porta para o erro judiciário, é mutilar nossa Constituição Federal e patrocinar injustiças, no palco desse grande desastre humanitário.
Esperamos que esse entendimento que deu suporte a essa triste decisão, não se cristalize e o STF, guardião maior de nossa Carta Magna, cumpra seu dever, guardando nossa Constituição Federal, se necessário, contra tudo e contra todos.
Luiz Flávio Borges D’Urso é Advogado Criminalista, Presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – ABRACRIM, Mestre e Doutor em Direito Penal pela USP, Presidente de Honra da Academia Brasileira de Direito Criminal – ABDCRIM, Conselheiro Federal da OAB e foi Presidente da OAB SP por três gestões.
Luiz Flávio Borges D’Urso: Um desastre humanitário
Em artigo, advogado criminalista critica decisão do STF
Foto: Lula Marques/Agência PT