São Paulo desde longa data é um estado conservador. E nos últimos mais de 20 anos teve no PSDB sua melhor representação. Desde a redemocratização somente dois governadores não foram do PSDB, Orestes Quércia e Luiz Fleury. Franco Montoro, eleito pelo PMDB, foi um dos fundadores do PSDB. São 7 mandatos, em um total de 9, sendo 6 consecutivos. São 24 anos consecutivos de governo. E ao final desse mandato serão 28 anos. O Estado de São Paulo é quase uma Capitania Hereditária do PSDB.
O agravante é que o atual Mandatário é João Doria, uma invenção de Geraldo Alckmin, que após uma passagem meteórica, e desastrada, pela Prefeitura de São Paulo, foi ungido candidato ao Governo do Estado. Ganhou as eleições de um outro candidato de Alckmin, o vice-governador Marcio França.
A eleição de Doria mantém o PSDB como sigla partidária à frente do Governo. Mas ele não representa nem a ala mais antiga e tradicional do PSDB, como FHC, Serra e Covas, nem a ala ligada a Alckmin, que dirigiu o PSDB paulista nos últimos anos. Doria é um estranho no ninho tucano. E está moldando o PSDB paulista e nacional à sua imagem e semelhança. E as suas práticas políticas e métodos de gestão, onde tudo é tratado como um “Negócio” e assim deve buscar “eficiência empresarial” e “resultados”. Ou seja, transformar a administração pública em grande balcão de negócios, entregando tudo o que for possível do público para a “iniciativa privada” a preços de banana, ganhando com isso algumas “oportunidades”, porque ninguém é de ferro e abandona sua lucrativa atividade de lobista de todo tipo de interesses escusos pelo salário de Governador. A eleição de Doria enterra o PSDB que conhecemos até 2018.
Ele assume o governo de um estado que é, e será ainda por muito tempo, o maior PIB do país. Cerca de 30% de toda riqueza produzida no país é produzida em São Paulo. Aqui estão as melhores Universidades da América Latina, e todas estaduais. Aqui está o maior porto da América do Sul, o Porto de Santos. Aqui está o centro do mercado financeiro nacional e a sede de uma das principais bolsas de valores das Américas.
Assume também uma das maiores máquina partidárias do país. Essa máquina controla centenas de prefeituras e milhares de cargos públicos. Isso coloca em suas mãos uma poderosa máquina eleitoral e uma imensa oportunidade de negócios. Tudo isso jogando a favor da construção de uma possível candidatura sua a presidente em 2022, seu sonho. Seu sonho e pesadelo para o povo paulista. Mantida a sua atuação à frente da Prefeitura de São Paulo, onde somente trabalhou por sua candidatura, primeiro a presidente e depois a governador, abandonando a gestão, tempos difíceis nos aguardam.
As eleições de 2018 desenharam o atual cenário político e partidário no estado. Saíram vitoriosos do primeiro turno os dois candidatos apoiados por Alckmin: João Doria e Marcio França, que apesar de ser filiado ao PSB, não pode ser tomado como um progressista. É um representante da ala mais atrasada do partido, que é a maioria em São Paulo. Foi vice de Alckmin até ele sair para concorrer a presidência, governando o estado por alguns meses. Seguiu comportadamente a linha da gestão PSDB. E não conseguiu se apropriar da máquina do estado em seu favor, perdendo a eleição no segundo turno por pequena margem de votos.
As forças de esquerda e progressistas tiveram cerca de 15% dos votos no primeiro turno, sendo que o PT, em quarto lugar com Luiz Marinho, teve 12,6%. Esse foi um dos piores resultados do PT em São Paulo. Os outros 85% ficaram com as forças conservadoras, de direita e de extrema-direita. Os dois candidatos de Alckmin ficaram, somados, com 53% dos votos. O MDB, com Paulo Skaf, teve 21% dos votos. Com isso os 3 maiores partidos conservadores e de direita ficaram com quase 75% dos votos, demonstrando a força desse campo. Os demais partidos de direita ficaram com os restantes 10%, quase a mesma votação do PT.
Esse resultado dá a dimensão da derrota estratégica que o PT sofreu e do tamanho esmagador das forças golpistas e do atraso. Isso dá a dimensão do esforço e da força que os setores organizados de esquerda da classe trabalhadora terão que ter nesse próximo período. As eleições acentuaram o perfil conservador dos eleitores, a grande maioria da classe trabalhadora e do povo explorado. Todos os números indicam isso. E também do tamanho do fosso que nos separa hoje da nossa base social.
Com o aprofundamento da crise econômica as perspectivas não são boas. O aumento do desemprego aumenta a pobreza e a miséria volta ser uma realidade visível nas ruas das grandes cidades. A miséria e a falta de perspectivas aumentam a violência do dia a dia, com o aumento de roubos e assaltos praticados muitas vezes por pessoas que não encontram outras formas de sobreviver. Aumenta também a influência do crime organizado sobre as comunidades carentes, onde vive parte significativa da classe trabalhadora desempregada. Trabalhar para as quadrilhas passa a ser uma alternativa. Aumenta a dependência da “assistência social” que essas quadrilhas “prestam”. E isso acaba por aumentar a violência, seja por parte das organizações criminosas, seja por parte da polícia nas suas práticas violentas de enfrentamento dentro das comunidades.
O desemprego atinge taxas muito altas após anos de quase pleno emprego dos governos do PT. Em 2014, último ano que o PT governou sem a pressão das forças golpistas querendo derrubá-la, a taxa de desemprego foi próxima dos 4%. Hoje está próxima dos 14%. São muitos milhões sem emprego. Principalmente jovens e mulheres. A taxa entre os jovens é próxima dos 25%.
Com a receita se reduzindo, resultado da redução brutal da atividade econômica, o governo corta cada vez mais os orçamentos dos serviços públicos. Até mesmo dos mais essenciais. Esse cenário também serve de justificativa para a redução da presença do estado em várias áreas através de privatizações e extinções de empresas estatais. Tudo vira oportunidade para o governador fazer os seus “negócios” com empresas “parceiras”, entregando patrimônio do povo em processos de privatização comprometidos e obscuros.
As universidades públicas estaduais passam por sérios problemas para a manutenção de suas atividades. Das salas de aulas aos hospitais universitários, passando por centros de pesquisas importantes para o desenvolvimento do país, tudo está sendo aos poucos sucateado. Os ensinos públicos fundamental e médio sofrem com cortes que comprometem a formação das crianças e jovens, comprometendo o nosso futuro.
A saúde pública passa por sérios problemas. A volta ou recrudescimento de doenças demonstra o abandono da saúde pelos governos do PSDB, aprofundado por Doria. A dengue aumenta e seus “primos” mais debilitantes surgem com força. A febre amarela volta. Os remédios de alto custo, fundamentais para transplantados ou portadores de doenças crônicas, somem dos postos de saúde.
Enquanto isso Doria gasta alguns milhões reformando o Palácio dos Bandeirantes modificando tudo em função dos seus caprichos e gosto duvidoso. E manobra com os recursos do Estado para seguir com a política de cooptação das prefeituras e lideranças do interior para a sua órbita. E, claro, para seguir transferindo recursos públicos para o sistema financeiro e o rentismo com o pagamento das dívidas do estado, que não podem ser “contingenciadas” em nenhuma hipótese.
No que pese o controle da máquina pública Doria tem dificuldades na sua articulação política. A Assembleia Legislativa está ainda mais fragmentada entre os partidos e o PSDB não é mais maioria. É somente a terceira bancada atrás do PSL e do PT empatada com o PSB. Mas, em movimento que contou com o apoio do PT, elegeu o presidente da mesa diretora. Não deverá ser simples como no passado o governador conseguir passar seus projetos. O controle da máquina sempre é um fator de atração para o fisiologismo, mas não será o suficiente para “domesticar” os deputados.
A segurança pública é um sério problema. O crime organizado, capitaneado pelo PCC, controla os presídios e manda em muitas comunidades carentes em todo o estado, administrando o tráfego de drogas e outras atividades criminosas lucrativas. A ação da polícia contra essas organizações é insuficiente para detê-las. As comunidades controladas pelas facções são alvo da ação violenta da polícia, atingindo principalmente a população negra e jovem. Essa população vive espremida entra o jugo violento das facções e a violência da polícia. Não há uma política efetiva de segurança pública. O que há é uma política de confronto armado e de encarceramento em massa que só alimenta o ciclo da violência.
Uma das únicas ações de Doria, além de aparelhar a polícia com armas ainda mais letais, é querer privatizar o sistema penitenciário do estado, transferindo mais um serviço público para o privado, fazendo com que o preso sob custódia do Estado seja fonte de lucro de algumas empresas amigas.
Para qualquer lado que olhamos em São Paulo vemos os efeitos nefastos dos anos de controle do PSDB. O tamanho da economia do estado atenuou por muito tempo os efeitos na vida das pessoas. Os anos de expansão econômica dos governos do PT encheram os cofres do estado e deram uma grande margem de manobra que escondia a ineficiência e a roubalheira. As obras do metrô, do Rodo Anel e as concessões rodoviárias estão aí como testemunhos das escandalosas transações promovidas pelo partido.
Mas a crise econômica, aprofundada pelo governo golpista e agora por Bolsonaro, deixa à mostra os danos causados pelo PSDB, que serão maiores com Doria. Ele representa o que de pior o neoliberalismo pode apresentar. Não há nenhum compromisso com as necessidades do povo. Não há nenhuma atenção com os serviços públicos. Não há nenhuma preocupação com o sofrimento do povo. Há somente seus interesses pessoais e seus planos de ser candidato em 2022 a presidente. Doria é uma ave de rapina governando o estado mais rico e populoso do país.
A contribuição que a maior economia do país poderia dar a retomada do crescimento econômico é travada pela falta de um programa de governo para o estado que estimule o crescimento, gere empregos e melhore as condições de vida e trabalho dos trabalhadores e do povo. Ao invés disso temos um “programa de governo” de espoliação do patrimônio público, que corta empregos e piora acentuadamente as condições de vida do povo com cortes sistemáticos nos orçamentos de todos os serviços públicos, especialmente saúde, educação e segurança.
Luiz Sérgio Canário, Militante do DZ Pinheiros, São Paulo-SP