O presidente Lula participou nesta quinta-feira (12) de uma cerimônia especial na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, para celebrar a repatriação do manto sagrado Tupinambá. A celebração contou com a presença de cerca de 200 indígenas, incluindo importantes lideranças tupinambás e do governo, além da embaixadora da Dinamarca no Brasil, Eva Pedersen. O evento simbolizou um momento de reconexão cultural e valorização das tradições dos povos.
O manto Tupinambá, que havia sido levado para a Dinamarca há quase 400 anos, retornou ao país em um evento repleto de discursos, mas também de música e cantos sagrados, entoados em diversos momentos. A cerimônia destacou a importância do artefato e o papel fundamental dos povos indígenas no processo de repatriação.
No início de seu discurso, o presidente Lula destacou a importância da volta do artefato ao país. “É um privilégio participar de um momento tão especial. Não só para os povos indígenas, mas para brasileiras e brasileiros (…) Ao longo da nossa história, diversos itens indígenas e de outras comunidades tradicionais atravessaram fronteiras, e foram habitar museus europeus. O retorno do manto sagrado Tupinambá é um marco do que os povos indígenas estão recuperando neste momento”, afirmou.
O presidente agradeceu pelo esforço conjunto na recuperação da peça e pediu ao governador Jerônimo Rodrigues que providencie um local na Bahia, terra dos Tupinambás, para ela: “Espero que todos compreendam que, apesar do manto estar no Museu Nacional no Rio de Janeiro, o lugar dele não é aqui.”
Lula aproveitou para reafirmar sua oposição à tese do Marco Temporal, que considera uma ameaça aos direitos das comunidades originárias. Ele destacou que seu veto à proposta foi derrubado pelo Congresso, mas a discussão ainda está em andamento no STF. “Sou a favor do direito dos povos indígenas ao seu território, conforme determina a Constituição”, disse.
Luiz, filho de Lindu, “é um dos nossos”
A anciã Yakui Tupinambá pediu licença ao presidente para quebrar o protocolo e ler o Manifesto da vigília ao manto sagrado Tupinambá. “Já são 524 anos de lutas e resistências. Primeiro, contra Portugal. Fomos catequizados e escravizados. Proibiram nossa língua e nossas crenças. Nos roubaram e mentiram sobre nós. Nos colocaram à margem da sociedade. Nos deixaram sem terra, comida, saúde e dignidade”, declarou, sublinhando a importância do artefato como símbolo de força e união. Ao final de sua fala, assim como no início, ela agradeceu a “Luiz, filho de Lindu”, lembrando que o presidente “é um dos nossos. Não somos seus oponentes”.
Jamopoty, líder Tupinambá, relembrou o impacto da peça na cultura indígena e a longa espera pela sua devolução. “O manto chega hoje e diz ‘tem 386 anos que eu estava fora do Brasil’. O manto traz para nós esse direito à vida. Não só para os Tupinambás, mas para todos os povos originários do Brasil”, afirmou. Ela aproveitou para fazer um apelo por mais ações concretas. “Precisamos que as portas fiquem abertas para os povos originários. Temos o ministério, criado com amor, mas precisamos de mais. Precisamos de demarcação de território. Precisamos andar de mãos dadas com outros ministérios. Precisamos de educação e saúde de qualidade.”
Joênia Wapichana, presidenta da Funai, expressou o sentimento comum com o retorno da peça: “Estamos recebendo de volta o manto Tupinambá, isso é uma alegria para todos os povos indígenas do Brasil”. Já Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, celebrou a ocasião com uma mensagem de gratidão e reconhecimento: “Hoje é um dia de festa. Saúdo o povo Tupinambá, que aguardou por mais de 400 anos o retorno de seu ancião, seu avô. É importante também reconhecer o papel da Dinamarca, que atendeu nossa demanda.”
Gesto simbólico
O regresso do artefato, criado há séculos com penas vermelhas de guará sobre fibra natural, é um gesto simbólico significativo. A peça estava guardada no Museu Nacional da Dinamarca desde 1689 e retorna ao Brasil após um esforço conjunto com o Museu Nacional do Rio de Janeiro, a Embaixada do Brasil em Copenhague e as lideranças indígenas. Depois desse primeiro movimento, a parceria entre museus dos dois países deve avançar em novas iniciativas para digitalizar e estudar o patrimônio cultural dos povos originários.
Lula concluiu sua fala com uma mensagem inspiradora: “Se vocês esperaram quase 400 anos para trazer de volta o manto, isso significa que nada é impossível, que a gente pode conquistar muito mais.” O evento sublinhou a importância da valorização da diversidade e da cultura indígena no Brasil, que vem sendo reconhecida e apoiada pelo governo como nunca havia sido antes. A frase final do discurso da líder Tupinambá Jamopoty resume a importância desse momento e evento históricos: “Hoje eu estou feliz, porque o Brasil é um novo Brasil. Auê.”
Da Redação