No Brasil, há juízes atuando fora da lei atualmente, utilizando o argumento de combate à corrupção. Um bom exemplo é o juiz Sérgio Moro, com sua conduta diante do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É o que avalia o professor da faculdade de direito da Universidade de Brasília, Marcelo Neves: “Aquele tipo de condução coercitiva já é abusiva“.
“Chegar na casa de um ex-presidente às 5h da manhã. Chegar no Instituto Lula invadindo, quebrar porta, com 50 policiais. Isto é para grande criminoso internacional, chefe de tráfico. Não é para uma pessoa que tem endereço certo e que nem pode fugir porque todo mundo conhece”, argumentou, em debate na faculdade de direito da Universidade de São Paulo (USP). O evento contou com os comentários da professora de direito Maria Paula Dallari.
Neves, que é também pesquisador da faculdade de direito da Universidade de Yale, nos EUA, disse ainda “o juiz Moro praticou crime, no meu entendimento”.
Segundo ele, o crime de Moro aconteceu quando foram enviados à imprensa diálogos entre a presidenta Dilma Rousseff e Lula. “A legislação em vigor proíbe a divulgação de interceptações telefônicas. Os artigoS 8º, 9º e 10 da lei 9.296 é claro sobre isto. Ninguém pode divulgar o que há de sigiloso. O que ocorre? Houve divulgação e há enquadramento no artigo 325 do Código Penal [sobre violação do sigilo funcional]”, afirmou.
O professor caracteriza esta ação como parte de um contexto de “abuso no combate à corrupção, unilateral, muitas vezes (…) não respeitam a lei”. Contou também que, quando a Operação Lava Jato começou, ele se entusiasmou, pois achou que aconteceria um trabalho sério de combate à corrupção, mas mudou de ideia. “Eu me decepcionei”, lamentou.
De acordo com Neves, este tipo de situação – de abuso do Judiciário, que acaba ferindo os direitos de alguns – acontece em contextos de exclusão social, em que uma parcela da população fica fora do Estado de Direito. E é desta forma juízes atuam fora da lei, como “sobrecidadãos”.
Disse ainda que existe preconceito de região e de classe contra Lula. “É como se o ex-presidente não pudesse estar perto do poder”.
Exclusão social
No debate, Neves citou seus trabalhos acadêmicos em que menciona os conceitos de subcidadania e sobrecidadania. Em síntese, significa dizer que alguns cidadãos são beneficiados, enquanto outros excluídos dos direitos constitucionais básicos. Nasce, assim, “um problema de cidadania e um contingente de subcidadãos”.
Para ele, neste contexto, existe uma relação entre corrupção e exclusão. Seu argumento é de a corrupção sistêmica possui relação direta com desigualdades. Quanto maior a desigualdade, maiores são as possibilidades de corrupção – e assim se retroalimentam essas exclusões sociais.
Por isso, combater a corrupção é fundamental em um país como o Brasil, e alertou: “o combate deve ser realizo dentro de limites do Estado de Direito”.
Impeachment sem crime de responsabilidade
Neves é crítico à condução do processo de impeachment que afastou a presidenta eleita do Executivo. Foi “problemático”, reforçou, pois o próprio Tribunal de Contas ainda não havia fechado as contas de 2015 quando o tema foi votado na Câmara e no Senado. “Uma contradição do Estado brasileiro”.
Um dos motivos que reforça que não houve crime de responsabilidade é que, no Brasil, existem órgãos para fiscalização de contas. “Há uma contradição nas ações tomadas [contra Dilma] em relação aos presidentes anteriores. Neste sentido, é dramático para o desenvolvimento da democracia e do constitucionalismo no Brasil”.
Em sua opinião, é importante lembrar que, do ponto de vista jurídico, “a denúncia da professora Janaína [Paschoal] é ruim demais”. E contou que ele mesmo já deu um parecer sobre o impeachment, e ironizou: “não ganhei nada, não”. Isto porque Janaína recebeu R$ 45 mil do PSDB para elaborar parecer.
[Para acessar o documento escrito por Neves, em dezembro de 2015, clique aqui]
Como consequência do golpe, Neves acredita na probabilidade de enfraquecimento dos direitos sociais de coletivos e de minorias no Brasil, caso o afastamento de Dilma se concretize. Existe também risco de repressão a mobilizações sociais, neste cenário, avalia ele.
Comentários
Ao final da fala de Neves, a professora Maria Paula Dallari comentou alguns aspectos de sua argumentação, antes de os presentes fazerem suas perguntas e observações.
Para ela, a chave para entender a situação do país é o fato de que não há somente um cidadão que tem mais, enquanto outro tem menos. É preciso considerar que alguns têm a chave para determinar quem terá acesso a quê – e isso não inclui somente renda, mas todos os aspectos que dizem respeito à cidadania.
A pesquisadora concorda que o combate à corrupção é usado como instrumento político “em determinadas ocasiões da história”. Sobre o impeachment, avalia que houve subversão das regras, pois não foram esgotados os recursos técnicos para avaliar se houve “intenção do governo de ferir as regras”.
Acredita que a repressão será mais severa se o governo de Michel Temer continuar. A perspectiva é ruim também porque ela avalia que haverá cortes em programas sociais.
Por Daniella Cambaúva da Agência PT de Notícias