O governo Trump já não surpreende mais pela repetição de suas medidas autoritárias truculentas. Nem pelos recuos a que se vê obrigado pelo clamor dos protestos.
As autoridades que ocuparam o poder em Brasília já não surpreendem mais pelo grau de subserviência a que se prestam tentando garantir os míseros meses que lhes restam.
Nos últimos dias, o encontro dessas duas vergonhas políticas produziu um espetáculo grotesco nos dois países. Nos Estados Unidos, a comoção das imagens e gravações de crianças migrantes chorando por serem isoladas de suas mães. Em Brasília, um vice oriundo da extrema direita norte-americana, passa um pito no atual ocupante da cadeira presidencial brasileira em termos inaceitáveis: “Cuidem de suas crianças”; “Chegou a hora de vocês fazerem mais”.
Durante os oito anos em que fui Presidente da República, busquei conviver bem com dois colegas norte-americanos. Seis anos com um membro do Partido Republicano, George Bush, outros dois com o sucessor eleito pelo Partido Democrata, Barack Obama.
Sem distinção, a conduta brasileira se pautou sempre pelos princípios de uma diplomacia ativa e altiva, como gosta de repetir Celso Amorim. Nunca empreguei qualquer retórica agressiva contra os Estados Unidos. Manifestei e reiterei nosso interesse em desenvolver com aquele país as melhores relações econômicas, políticas e culturais que fossem possíveis. Mas nunca abrimos mão de sermos tratados como iguais, princípio central da democracia e da relação entre países soberanos.
Durante nossos governos, em hipótese alguma haveria espaço para a grosseria desse vice norte-americano, ali naquele mesmo Palácio do Planalto onde, durante anos recentes, se ouviam as vozes fortes dos movimentos populares, dos líderes sindicais, das conferências democráticas que convocamos, dos catadores de material reciclável ou dos hansenianos.
Não custa lembrar que o pito desse sub enviado por Trump incluiu até mesmo ditar regras para a diplomacia brasileira a respeito de nossa vizinha Venezuela, frente aos semblantes acovardados dos que ocuparam seus postos após o Golpe do Impeachment.
A indignação com esse espetáculo vergonhoso não pode me afastar, entretanto, do objetivo principal desta mensagem: me solidarizar e fortalecer a onda mundial de protestos contra mais esse ataque frontal à Declaração Universal dos Direitos Humanos que o líder norte-americano promove.
A sanha de Trump acaba de ser barrada pela atitude corajosa de uma juíza da Califórnia. Outros recursos se multiplicam nos Estados Unidos, a partir de 11 estados que aderem à iniciativa do Poder Judiciário em Seattle determinando a imediata cessação dos desmandos acobertados sob o título “tolerância zero”.
Organizações e defensores dos Direitos Humanos de vários países, muitas missões diplomáticas junto a organismos multilaterais, órgãos respeitáveis de imprensa condenam o gesto de Trump, enquanto Temer se oferece, agachado, para pagar as passagens de volta dos brasileiros envolvidos.
Aqui da prisão, não posso me calar. Meu país e meu povo não merecem essa humilhação e não podem suportar coisas desse tipo. Por sinal, a decisão da corajosa juíza Dana Sabraw foi tomada em torno de uma petição que envolvia duas crianças, uma do Congo, outra do Brasil.
Vejam bem: um pequeno pedaço de Brasil que vive nos Estados Unidos, através de uma organização chamada União das Liberdades Civis, conseguiu defender o interesse de nosso povo no mesmo momento em que as autoridades brasileiras se ajoelhavam. Um pequeno pedaço da África que também vive por lá, mais uma vez estende as mãos para o Brasil, unindo os dois lados do Atlântico como se fôssemos um só povo.
O Procurador de Seattle que propôs a iniciativa considera a decisão de Trump “desonesta, cruel e inconstitucional”. Imagino que a palavra desonesta esteja se referindo ao uso farsante do mesmo nome daquela famosa operação de Segurança Pública aplicada em Nova York anos atrás. Penso que a Constituição americana esteja sendo desrespeitada, de fato, pelo menos naqueles dispositivos que asseguram as chamadas regras do devido processo. Tenho certeza de que a palavra cruel é uma citação direta dos tratados internacionais de Direitos Humanos que proíbem a tortura e todas as formas de pena ou tratamento cruel, desumano e degradante.
Tanto a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança como aquela referente aos Trabalhadores Migrantes e suas Famílias banem expressamente atitudes como as tomadas por Trump. Incontáveis outros tratados do Direito Internacional vão na mesma direção, bem como sentenças judiciais de todos os países civilizados.
Quero terminar com uma palavra otimista frente ao novo revés sofrido pelo Trump, aquele que se elegeu com menos voto do que sua adversária. Seu recuo nos remete a uma dessas viradas espetaculares que acontecem nas copas do mundo, como nesta de agora na Rússia.
A força daquela foto montada para a capa da revista norte-americana, com um gigantesco Trump que olha de cima a criança migrante chorando nos traz novos desafios e novas tarefas. Obriga a reafirmar o compromisso de todos com a defesa dos Direitos Humanos, em especial das crianças e dos trabalhadores migrantes e suas famílias.
O olhar do líder empresarial que preside a maior potência militar da história é uma mistura de ironia, insensibilidade e cinismo. O olhar da criança carrega a dor e a emoção de todas as nações latino-americanas exigindo o direito de sermos tratados como iguais.
Quem vencerá esse embate?
Depende de nossa capacidade e de nossa decisão. De perseverar, resistir, enfrentar todas as injustiças e preconceitos sem jamais perder a esperança no resgate da verdade e da liberdade, como nos ensinaram heróis como Luther King e Nelson Mandela. Aquele, ao completar agora 50 anos de sua morte trágica. O africano, a poucas semanas de celebrar 100 anos de nascimento.
A verdade vencerá.
Luiz Inácio Lula da Silva
Ex-presidente e pré-candidato do PT à Presidência da República
Por Brasil 247