A forma com que Moro foi merecidamente tratado por ministros do STF pode ser um passo importante para o restabelecimento do sistema de justiça, a ser confirmado na decisão final sobre sua suspeição nos processos contra Lula.
O julgamento teria interesse se estivesse em questão o destino de qualquer cidadão. Em se tratando do maior líder político da nossa história, evidentemente o interesse é maior, até pela repercussão internacional que a decisão necessariamente terá.
Moro não brincou em serviço. Pavimentou sua carreira num conjunto de arbitrariedades que, se não forem corrigidas, talvez nunca mais se possa declarar um juiz parcial, comprometendo todo o sistema de justiça.
A condenação sem provas de recebimento de vantagem por ato indeterminado, em si absurda, é quase um detalhe diante do conjunto da obra.
Moro autorizou escuta telefônica do advogado do acusado; Moro vazou grampos ilegais; Moro sugeriu a substituição de uma promotora por baixo desempenho; Moro encaminhou testemunhas; Moro anexou delação recusada pelo próprio MP, finda a instrução, e, três meses depois, levantou seu sigilo a seis dias do primeiro turno; Moro demonstrou desinteresse pela delação de uns e pela investigação de outros para não comprometer o apoio político-midiático às suas ações; Moro renunciou à magistratura pelo cargo de ministro da Justiça daquele que ajudou a eleger, para, em seguida, dizendo-se surpreso com a conduta antiética do chefe, demitir-se em busca de voos mais altos.
Juristas brasileiros e estrangeiros se debruçaram sobre o caso, dada a sua relevância e exotismo.
A manifestação mais emblemática foi do jurista italiano Luigi Ferrajoli. Questionado sobre violação de garantias do devido processo legal, especificamente no caso de Lula, respondeu: “No caso da condenação do ex-presidente Lula, as violações das garantias do devido processo legal foram massivas. Em qualquer outro país, o comportamento do juiz Moro justificaria sua suspeição, por sua explícita falta de imparcialidade e pelas repetidas antecipações de julgamento. Nos julgamentos italianos do início dos anos 1990, conhecidos como Mãos Limpas, houve indubitavelmente excessos antigarantistas, como o abuso de prisão preventiva e o excessivo papel desempenhado pelo delator. No entanto, comparados ao julgamento contra Lula, esses julgamentos parecem um modelo de garantismo”.
Está nas mãos do colegiado o futuro do sistema de justiça e da própria democracia. Se a conduta de Moro for chancelada, o golpe que Bolsonaro e seus generais planejam no Supremo Tribunal Federal já terá sido em parte consumado.
Fernando Haddad
Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S. Paulo.