Recentemente a ONG OXFAM divulgou os resultados de um estudo sobre desigualdades no mundo, segundo o qual oito bilionários possuem mais dinheiro que a metade mais pobre da população mundial. A concentração extrema de riqueza, associada à conjuntura da geopolítica internacional e aos desdobramentos do capitalismo são o combustível que promove os avanços da direita em todo mundo.
O crescimento dos partidos de extrema direita, a ascensão do fascismo, o aprofundamento dos casos de racismo, xenofobia, homofobia e feminicídio não constituem casos isolados e pontuais, pelo contrário, vivenciamos um período histórico de ataques às minorias e à classe trabalhadora com relativização e ameaças aos direitos humanos e sociais conquistados – não sem luta – até aqui.
Alguns exemplos como o episódio Brexit, a eleição de Donald Trump nos EUA e as investidas imperialistas para desestabilizar as democracias latinoamericanas através de “soft” golpes em governos populares e de esquerda. A essa conjuntura se soma longo processo de militarização do planeta e de precarização das relações de trabalho, com o objetivo de conduzir o capital ao limite da sua capacidade de exploração sobre a classe trabalhadora e, de modo especial sobre as trabalhadoras.
No Brasil os ataques são muitos: projetos como reforma da Previdência, reforma da legislação trabalhista, reforma do ensino médio, cortes orçamentários significativos em projetos sociais que lograram êxito diante do desafio de promoção da igualdade social no país, são a continuação do golpe parlamentar-judiciário-midiático machista e misógino que destituiu a presidenta eleita Dilma Roussef e que relativizou a democracia no país. Estamos em estado de golpe, sob a égide da “barbárie” de que nos alertou Rosa Luxemburgo.
Esta é a arena em que está posto o 6º Congresso Nacional do Partido das Trabalhadoras e dos Trabalhadores. É preciso LUTAR contra os ataques aos direitos e conquistas da classe trabalhadora, contra a perseguição e criminalização do PT, das esquerdas e dos movimentos sociais e populares; em defesa das conquistas históricas, garantias constitucionais, da preservação dos direitos sociais, da preservação dos direitos das mulheres e dos direitos LGBT; contestando as violações que o golpe banalizou no Brasil, como a censura ao pensamento divergente e de esquerda, a judicialização/criminalização da política, o lawfare, a narrativa hegemônica da mídia corporativa, o patrulhamento ideológico, as perseguições e diatribes anticomunistas que alimentam o fascismo e os retrocessos que crescem em nosso país.
A luta é o desafio permanente e a própria pedagogia da esquerda e do PT, a luta é a força motriz que assegura e assegurou cada conquista da classe trabalhadora ao longo da história. Porém a luta, antes de ser um fetiche, uma festa, uma ciranda, é sobretudo, um projeto, uma tarefa.
A luta é agente de transformação e é também ruptura e dor. A luta é cada derrota, cada direito que ainda não alcançamos, cada conquista ameaçada, a solidão de ser voz uníssona em diversos espaços que ocupamos. A luta muitas vezes é desconforto, é habitar os lugares mais inóspitos que a hegemonia do pensamento dominante nos impõe, a luta é ocupar as margens de uma sociedade que coloca os interesses das minorias privilegiadas acima do bem social. A luta é a dor de ver tombar companheiras e companheiros que caminham a nosso lado.
A luta é enfrentar as traições de classe e enfrentar as dúvidas, as decepções que atingem nosso vigor e nossas convicções. A luta é seguir adiante quando são abaladas as nossas certezas mais revolucionárias, porque às vezes, contraditoriamente, ceder e recuar também é lutar…. A luta é tudo que temos: forjada com o sangue, com a vida de nossas companheiras e nossos companheiros. E com a nossa própria vida…
Por isso, a nossa luta é também por ACOLHER. Todo esse trajeto precisa ser percorrido com união e respeito pelas diferenças, oferecendo às companheiras e aos companheiros um ambiente de segurança e cuidado.
É preciso nos desafiarmos enquanto coletivo para romper com algumas barreiras que, infelizmente, ainda persistem em muitos espaços do partido: o machismo, o sexismo, o preconceito e a desqualificação das pessoas psicoatípicas por conta da sua condição pessoal, o revanchismo agressivo entre integrantes de diferentes correntes, as disputas de soma zero em que o limite do “confronto” é a derrota ou destruição da(o) outra(o), as inúmeras práticas preconceituosas do cotidiano – que vão das piadas machistas, gordofóbicas e homofóbicas ao menosprezo por companheiras ou companheiros meramente por conta da sua condição de mulher ou de jovem – enfim, é preciso combater com rigor a reprodução da sociabilidade atomista do capitalismo no interior do nosso partido.
Não é um desafio fácil, mas se existe um espaço na sociedade em que seja possível desenvolver uma sociabilidade que supere tais barreiras, certamente este espaço é o PT.
A nossa luta também precisa ENCANTAR. Reconhecer estas questões, enfrentar nossas limitações enquanto coletivo, aprender com a pedagogia da luta, corrigir de forma construtiva, praticar a autocrítica cotidiana, olhar e estender a mão às companheiras e companheiros sempre que possível, escutar, divergir acolhendo na divergência, lutar se permitindo encantar pela luta e encantando na luta.
São desígnios que podem parecer simples e até elementares, mas tais encaminhamentos exigem alguns alicerces materiais objetivos: é preciso promover formação política e espaços de acolhimento; fortalecer e tornar efetivas as esferas da comissão de ética do partido, que permitam equalizar questões que não sejam resolvidas por outros caminhos; ampliar a transparência e o controle interno de todas as esferas do partido pela militância; construir e consolidar os mecanismos e instâncias de participação do partido de forma a potencializar ao máximo a atuação das bases.
É preciso ainda avançar na utilização das redes (sobretudo a partir da perspectiva de nossa juventude), inovando sempre com a contribuição da militância e no sentido de fortalecer a luta pela democratização dos meios de comunicação; adotar ferramentas e metodologias científicas que permitam ao partido se conhecer e conhecer sua militância; dar condições políticas e estruturais de funcionamento adequado às instâncias de base, como Diretórios Zonais, Setoriais e Núcleos de Base, inclusive utilizando as novas tecnologias para realizar esta tarefa.
A maior virtude do PT é a sua militância. É preciso que em um momento como o atual – de tendência à desmobilização e a um “mal estar” generalizado no campo da esquerda e da sociedade – o partido faça uma escolha corajosa e encantadora em prol das suas bases: é preciso priorizar a recomposição, o fortalecimento e a valorização da militância!
Rosa Luxemburgo nos alertou: a esquerda já nasce derrotada. Na sociedade capitalista, atomista e predatoriamente competitiva, somos socializados para “vencer”… Na vida, na escola, nos esportes, no mercado de trabalho, nas disputas políticas, enfim, em toda e qualquer dimensão da vida não vencer é um fracasso.
O nosso projeto derrotou a direita nas urnas e fomos “vingados” com a derrota do golpe, porque a direita retrógrada a qual nos opomos prefere destruir o país e a democracia a aceitar as conquistas da classe trabalhadora, ou como canta Criolo, “Uns prefere morrer ao ver o preto vencê”. Nós escolhemos seguir acolhendo e encantando na luta, porque lutamos como nos ensinou o Professor Darcy: “Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu”.
Por Marcelo Pires Mendonça, professor de história da rede pública de ensino do Distrito Federal e militante do PT/DF, para a Tribuna de Debates do 6º Congresso. Saiba como participar.