Em vez de fazer oposição ao governo, os partidos derrotados preferem destituir um governo legitimamente eleito
A oposição atual aos governos liderados pelo PT conseguiu estabelecer mais uma novidade no sistema eleitoral brasileiro. Em 1997, ano anterior às eleições presidenciais de 1998, os partidos de sustentação do governo de FHC aprovaram o instituto da reeleição aos cargos do executivo. Essa primeira novidade no sistema eleitoral foi atribuída ao conservadorismo, preocupado com uma possível vitória de Lula, candidato petista pela terceira vez desde a reintrodução do sistema de eleições para presidência da República no Brasil, em 1989.
A segunda novidade, estabelecida em 2015, passou a ser o terceiro turno eleitoral.
Depois de não ter aceitado o resultado eleitoral de 2014, os partidos derrotados partiram para essa invenção, sem a participação da população que concedeu a legítima vitória à presidenta Dilma. Logo de início, questionaram enfaticamente as urnas, porém sem êxito.
Simultaneamente, veio a campanha midiática e de ruas em defesa do impedimento do segundo mandado da presidenta. Finalmente, agora, os partidos de oposição conseguiram que o ameaçado presidente da Câmara dos Deputados de perda de mandato pela Comissão de ética, abrisse o processo de impedimento de Dilma.
Para um colégio de representantes, os partidos de oposição pretendem o golpe decisivo do terceiro turno.
A postura antidemocrática do conservadorismo brasileiro não é estranha, podendo ser observada na fase democrática do segundo pós-guerra mundial. Naquela época, por exemplo, a União Democrática Nacional (UDN), que havia nascido aceitando a maioria absoluta dos votos como princípio de escolha democrática, terminou o abandonando mais adiante por conta das derrotas frequentes nas urnas.
Sem obter maioria nos votos, articulou uma rede de apoio ao golpe de 1964, pondo fim por 21 anos ao regime democrático.
Agora, estamos diante do mesmo procedimento, pois os conservadores não aceitam perder no voto, buscando sempre o tapetão como tábua de salvação.
Essa possibilidade decorre do sistema multipartidário que resultou da transição do regime militar (1964-1985), responsável por uma nova leva de partidos não identificados com a estrutura eleitoral da democracia vigente entre os anos de 1945 e 1964. Naquela oportunidade, os partidos buscavam a representatividade nacional numa sociedade em que analfabetos (um terço dos adultos) eram impedidos de votar e o partido comunista estava proscrito.
Além disso, os partidos produziam as cédulas eleitorais e o voto era de um turno só para candidato a presidente e a vice-presidente. Tanto assim que nas eleições de 1960, por exemplo, a vitória de Jânio Quadros (48,3%) pela aliança liderada pelo Partido Trabalhista Nacional (PTN) e o Partido Democrata Cristão (PDC) contou com a nova vitória do vice-presidente João Goulart eleito por outra frente de partidos (Partido Trabalhista Brasileiro, PTB, e Partido Social Democrático, PSD). João Goulart havia vencido a eleição de vice-presidente em 1955 na mesma aliança vitoriosa com JK presidente (PSD e PTB).
Acontece que desde 1989, o sistema eleitoral consagrou o fim da disputa após a realização do segundo turno, sempre que o candidato a presidente não obtivesse a maior parte dos votos (50% mais um dos votos válidos) no primeiro turno. Com isso, os derrotados aceitavam o resultado eleitoral e buscavam pacientemente quatro anos depois uma nova oportunidade eleitoral.
Mas depois de quatro derrotas sucessivas, de 2002 a 2014, os partidos de oposição aos governos petistas perderam a paciência democrática e passaram a não mais aguardar as próximas eleições presidenciais, em 2018. Em vez de realizarem o importante e necessário trabalho democrático de oposição ao governo, os partidos derrotados preferem destituir um governo legitimamente eleito e fazer oposição aberta ao país.
As consequências do terceiro turno provocado pelos atuais partidos de oposição são inquestionáveis, provocando paralisia econômica ao país e mais sofrimento à população, sobretudo aquela parcela mais vulnerável. Isso talvez explique por que o Brasil não tem tradição democrática, com mais de 500 anos de existência e apenas meio século de experiência democrática.
(Artigo inicialmente publicado no site do “Instituto João Goulart”, no dia 10 de dezembro de 2015)
Márcio Pochmann é presidente da Fundação Perseu Abramo, economista e professor da Unicamp