Está bem nítido, não há nota de esclarecimento capaz de reverter o que foi dito. São estarrecedoras as revelações do site “The Intercept Brasil” divulgadas na noite do último domingo (9). Enquanto o Brasil assistia o Fantástico e se preparava para mais um show da vida, a imprensa independente, ampliada pelas redes sociais, revelava os bastidores da degradação e uso político da lei na condenação de Lula, no último processo eleitoral e nos seus resultados. No centro das denúncias, Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, que teriam durante anos construído teses para definir resultados.
Assim como grande parte dos brasileiros com acesso aos meios digitais, tomei conhecimento do conteúdo de conversas vazadas pelo aplicativo Telegram (uma espécie de Whatsapp considerada mais segura) entre o então juiz Moro, chefe da operação Lava Jato e Procuradores do Ministério Público Federal.
As comunicações versando sobre como impedir Lula de ser ministro de Dilma, como enquadrá-lo no caso do tríplex de forma a ser julgado por Moro, como impedi-lo de dar entrevistas e assim barrá-lo na atração de votos para Haddad, não deixaram dúvidas: essas conversas tinham a nítida intenção de obstruir a democracia, e desta forma fomentar o descrédito nas instituições da República e corroer o Estado Democrático de Direito.
Tal qual nosso povo, em especial as parcelas que compreendem o que se passa, me sinto indignada pela conduta de integrantes de instituições de Estado, pois nelas se deposita grande parcela de responsabilidade para a realização da democracia.
O escândalo, elucidado pela reportagem do The Intercept a partir do vazamento das conversas entre Sérgio Moro e uma rede de juízes e procuradores, escancara uma política maculada – o uso político da Justiça para derrubar um governo democrático, incriminar e prender Lula e eleger um governo ilegítimo.
Este escândalo fortalece a hipótese de que Moro e Procuradores cometeram crimes para obter provas falsificadas e, dessa forma, construir sentenças. Tudo indica que cometeram fraude processual, abuso de autoridade, violação de sigilo funcional, advocacia administrativa, prevaricação e formação de quadrilha. Talvez não todos, mas muitos deles. E se “a lei é pra todos”, devem estes responder por tais crimes.
Diante desse fato de repercussão internacional, há inúmeras reações além do estarrecimento dos setores democráticos e de esquerda e de camadas da população. Estes setores com certeza vão responder com firmeza, já estão ocorrendo as manifestações do Conselho Nacional do Ministério Público, do Conselho Nacional de Justiça, da OAB, de Juízes pela Democracia. Bancadas do Congresso Nacional preparam medidas para exigir esclarecimentos, pois o equilíbrio dos poderes foi atingido, a democracia vem sendo violada.
Os que foram flagrados com certeza vão usar e abusar de todas formas para retirar a credibilidade das fontes e do próprio veículo de comunicação que divulgou as bombásticas informações.
Este é um momento de teste para a democracia, para a liberdade de informar a verdade. De defender o significado de imprensa livre como aquela que, a partir de fatos, divulga notícias transparentes sobre a vida social.
É fundamental consagrar a liberdade de imprensa, reconhecendo o papel de The Intercept Brasil. Pois, ao divulgar mensagens que por vários anos foram trocadas por integrantes do sistema de estado, nos propiciou construir e afirmar algumas convicções, entre as quais:
Lula é, indiscutivelmente, um preso político. O processo de sua condenação se mostra, cabal e comprovadamente, irremediavelmente viciado. Neste caso, o Juiz orientou acusação, sugerindo, inclusive, ações para omitir a falência das provas inexistentes. Quem investiga não julga. Uma violência contra o Estado Democrático e de Direito.
A segunda convicção: a eleição presidencial de 2018 foi fraudada. Além de fakenews, autoridades da República atuaram contra eleições livres e justas. Portanto, o poder originário conferido ao atual presidente da República se fragiliza no imediato. A legitimidade de Bolsonaro e do Ministro da Justiça estão esvaziadas frente a um escândalo tão grave.
Por fim, nos cabe nos posicionar que sem legitimidade não há governo, não há projetos. O Governo Bolsonaro executa um ataque sem precedentes a garantias constitucionais, ao patrimônio nacional e a direitos duramente conquistados. Não há mais legitimidade para que este programa tenha continuidade. Defendemos que a Reforma da Previdência deve ter sua tramitação interrompida no imediato até que se venha a público o conjunto de ilegalidades cometidas pelo atual Ministro da Justiça para viabilizar ilegalmente a eleição de Bolsonaro, tal como se demonstram as informações até aqui publicadas. Estamos atentas a todos os acontecimentos, em defesa da Democracia e Estado Democrático de Direito.
Maria do Rosário é deputada federal (PT-RS)
*Artigo publicado originalmente na Revista Fórum