Demorei para fazer uma análise sobre a bizarra cena televisionada que presenciamos no último dia 24. Cheguei a Porto Alegre no dia 23 pela manhã — estava a serviço da revista “Fórum” —, não fazia sol nem chuva. Era um tempo cinza e seco. Milhares de gaúchos ofereceram suas casas para abrigar os integrantes das várias caravanas que tomaram conta de Porto Alegre, e eu fiquei na casa de uma família incrível que me fez sentir o verdadeiro sentido da política e da partilha.
Sobre o julgamento, nunca botei fé nos senhores desembargadores. Por quê? Porque um é compadre do juiz Moro e outro adiantou o processo centenas de vezes. Eles precisavam condenar Lula por pressão, por vergonha e medo.
O dia 23 foi repleto de manifestações em apoio ao ex-presidente Lula: eram cerca de 70 mil pessoas — entre elas, artistas, intelectuais, juristas, autoridades, estudantes, professores e os mais diversos movimentos sociais —, todas com o objetivo de defender a democracia e garantir o direito de Lula ser candidato.
As pessoas que aguardavam a presença do suposto “réu” na esquina democrática empunhavam bandeiras e gritavam palavras de ordem, entre elas: “cadê a prova?”.
Lula foi ovacionado quando chegou, levado pelos braços do povo enquanto os nobres doutores eram escoltados pela polícia e desacreditados pelo mundo. Eu estava exausto, porém me sentia pleno por estar do lado certo, estar ao lado de Lula me fazia sentir que cumpria o meu papel como cidadão.
Lula fez questão de passar por Porto Alegre para agradecer às milhares de pessoas que tomaram conta das ruas e praças da cidade, depois seguiu para São Paulo, onde iria acompanhar o suposto julgamento.
Na manhã do dia 24, acordei e segui para o Acampamento da Democracia. Lá, várias pessoas participavam de uma vigília e a senadora Gleisi Hoffmann discursava para a multidão, no mesmo momento em que o ator — digo, o desembargador — João Gibran Neto concluía seu voto.
Em seguida, voltei para a hospedagem, onde tomei um bom banho e liguei a TV para acompanhar o pseudojulgamento. Era encenação pura: os togas seguiam à risca o papel que provavelmente um assessor ruim escreveu, os olhares e as lições de moral eram de dar náuseas, não tinha contexto algum. Parecia um filme de roteiro ruim, com péssimos atores que não escondiam o combinado, porém algo estava faltando: o clímax.
Não existiam provas materiais de consistência e eles precisavam de alguma coisa para incriminar Lula. Como tentaram de várias formas e não acharam nada, o resultado foi criar esse roteiro ruim sobre o tríplex que, de longe, é a pior mazela da história desse país. O objetivo é apenas impedir Lula de ser presidente, pois essa gente quer um cara fraco, que possa ser manipulado e que sirva apenas ao mercado. O dinheiro manda e o mercado não está preocupado com a saúde, a educação ou qualquer coisa necessária de fundo social.
Os nobres enalteciam o trabalho do juiz de primeira instância — coisa que jamais deveria acontecer, já que é fora da ética tecer elogios ao magistrado, o mesmo magistrado que divulgou conversas do ex-presidente Lula com a chefe de estado, presidenta eleita na época, Dilma Rousseff. Depois disso, o mínimo era ter sido afastado ou suspenso, sendo declarado impedido.
O senhor juiz pediu desculpas e continuou a perseguição voraz contra a sigla do PT. Enquanto Serras, Aécios, Temers e Richas continuam por aí, um homem era posto à prova, mas não um homem qualquer: um nordestino porreta que não se deixa levar. O julgamento terminou e o final todos já sabiam, pois spoilers não faltaram durante as investigações. No decorrer dos depoimentos, sempre ficou claro que o objetivo era condenar Lula, e o PowerPoint do despreparado Deltan Dallagnol já ditava a regra: condenar sem provas.
Nós condenamos Lula por crime nenhum, o povo foi condenado e a justiça fraca e falha, que já é desacreditada, mais uma vez provou a quem serve. Imagine você ser condenado por algo que não fez? Mais uma vez a Constituição foi rasgada e usada como papel higiênico. A asquerosidade reinou nos jornais e teve até Reinaldo Azevedo, criador do termo “esquerdopata”, criticando a frágil condenação de Lula.
O escárnio televisionado para o mundo me faz pensar e refletir. Quem foi condenado no dia 24 de janeiro de 2018? Será que aqueles três senhores estavam a serviço da justiça ou apenas lendo um texto pronto de crucificação? Será que aquele tribunal julgou crimes ou apenas convicções baseadas em delações sem fundamento? Até que ponto a “justiça” foi feita? Fomos ao extremo abismo.
Agora uma reflexão:
A quem condenamos?
Condenamos a democracia
O pouco que restava dela. Após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, a chama da democracia quase se apagou e agora está frágil, porém resistindo. Para garantir que ela continue acesa precisamos ir às ruas.
Condenamos o Bolsa Família
O subsídio que fez o pobre comer mais de 3 vezes ao dia, que tirou milhões da extrema pobreza e trouxe dignidade ao povo brasileiro. Lembrando que muitos deixam de receber o auxílio por conta própria, e há quem diga que muita gente que recebe não precisa — sim, verdade, mas a fiscalização compete aos municípios. É engraçado que as pessoas critiquem o auxílio de 100 reais e fiquem quietas com juiz recebendo auxílio-moradia de 4500 reais. O s.r. justiceiro Marcelo Bretas entrou na Justiça para que ele e sua mulher recebessem o tal auxílio. (Auxílio-moradia é para quem não tem condição de ter teto, e eles podem até ser sem-teto…. Sem teto salarial rsrs.)
Condenamos o FIES
O programa que deu oportunidade ao filho do pobre de fazer faculdade, que tornou realidade o diploma de médico, advogado e tantas outras profissões.
Condenamos o Mais Médicos
O maior e melhor programa de saúde que esse país já teve, que trouxe atendimento humanizado ao povo. O objetivo era suprir a carência de médicos nos municípios do interior e nas periferias das grandes cidades do Brasil.
Condenamos o Universidade Sem Fronteiras
O programa que fez o filho do pobre viajar mundo afora para se especializar e trazer conhecimento para o Brasil.
Condenamos a Farmácia Popular
O programa que tinha como objetivo oferecer à população acesso a medicamentos considerados essenciais. O programa cumpre uma das principais diretrizes da Política Nacional de Assistência Farmacêutica.
Condenamos o Luz para Todos
Criado em 2003, o programa levou energia elétrica às regiões rurais e/ou às casas que ainda não a tinham. A iniciativa era coordenada pelo Ministério de Minas e Energia e levou luz para os mais longínquos lugares deste país.
Condenamos o ProUni
O programa que tinha como objetivo oferecer bolsas de estudos em instituições privadas.
Condenamos o Minha Casa, Minha Vida
Reduzir o déficit habitacional, garantir o acesso à casa própria e melhorar a qualidade de vida da população eram os objetivos do projeto. Considerado o maior programa habitacional da história, através de parcerias entre governo e cooperativas que subsidiavam o valor do imóvel, cabendo às famílias o pagamento mensal de um valor simbólico, o programa fez milhões de famílias realizarem o sonho da casa própria.
Eu demoraria anos, séculos para escrever todos os acertos dos governos do PT.
Será que somos contra a corrupção ou contra Lula? Alguém, por favor, me diz de onde vem esse ódio?
E, senhores:
Lula
Se preso, vira herói.
Se morto, vira mártir.
Se livre, vira presidente.
Eduardo Matysiak é fotojornalista e produtor cultural
Por Brasil247.com.br