O brasileiro que tem se disposto a acompanhar a sórdida rotina da política nacional já se deu conta de que, aos olhos da história, o país ainda padece dos males iniciados após o golpe de 2016. Desde então, tanto Michel Temer quanto Jair Bolsonaro – sendo este ainda pior do que o primeiro – colocaram em prática uma agenda de total desprezo por questões sociais que agora estão ainda mais evidentes.
Ninguém de bom senso, no entanto, consegue negar que tantos retrocessos só foram possíveis porque Luiz Inácio Lula da Silva – o escolhido pela maioria do eleitorado segundo todas as pesquisas publicadas à época – tornou-se vítima de um farsa judicial escancarada com a intenção de tirá-lo da disputa eleitoral e responsabilizá-lo por crimes que jamais cometeu.
Acontece que, quando se trata do ex-presidente com a maior aprovação popular já registrada (87%) desde a redemocratização, nem mesmo a ausência das ruas poderia servir para silenciá-lo. Sua influência, mesmo da solitária em que foi obrigado a passar 580 dias entre 7 de abril de 2018 e 9 de novembro último, seguiu inabalável. E mais: Lula via e ouvia o seu chamado se concretizar de maneira assombrosa. “Minhas ideias já estão no ar e ninguém poderá encerrar. Agora vocês são milhões de Lulas”.
Muito mais do que uma frase de efeito, reproduzida à exaustão pela militância e estampada nos principais jornais do mundo, a declaração foi o estopim que incendiou o desejo de mudança no país vindo de lideranças políticas, intelectuais, líderes religiosos, artistas e pela multidão de anônimos espalhada por todos os cantos do planeta. Todos eles, passaram não só a clamar pela libertação do ex-presidente, mas pleitear um encontro com ele dentro da sede da Polícia Federal, no bairro de Santa Cândida da capital paranaense – onde se avizinhou também a Vigília Lula Livre, local que melhor simboliza o significado da palavra resistência no país.
Ideias que pairam no ar
A prisão política de Lula, hoje todos sabemos, nunca conseguiu cumprir o objetivo pela qual foi concebida. Mas não só. Sua ausência repentina transformou Curitiba no endereço oficial das lutas encampadas pelas alas progressistas do Brasil e do mundo.
Ainda que os agentes do golpe seguissem implacáveis na tentativa de impedir toda e qualquer manifestação do ex-presidente, ganhava dimensões que deixavam em pânico os seus algozes. Assim, Lula justificava o tamanho de sua popularidade com influência política e visibilidade que ainda serão estudadas por muitos e muitos anos.
Bastava um mísero bilhete escrito a punho, como os que enviou para aliados, familiares e artistas, para que o seu nome ultrapassasse as fronteiras do cárcere para estampar as manchetes dos jornais. Suas ideias, como ele próprio anteviu, pairavam no ar e negligenciavam o desejo mórbido de mantê-lo longe das ruas.
As visitas
Enquanto a campanha Lula Livre capitaneava mais e mais adeptos, o ex-presidente seguia inabalável em sua disposição para o enfrentamento político. Neste contexto, talvez não tenha havido “palanque” melhor do que as visitas que recebeu ao longo destes quase 600 dias longe do corpo a corpo com o povo brasileiro.
Selecionar alguns desses encontros longe das câmeras mas propagados à exaustão é tarefa que exige um certo desprendimento – já que as escolhas certamente deixarão de fora outros tantos nomes de peso. Entre intelectuais como Raduan Nassar, Domenico De Masi e Noam Chomsky, músicos como Chico Buarque e artistas como Danny Glover, houve também espaço para visitas de inúmeras lideranças políticas nacionais e internacionais, como os vencedores do Prêmio Nobel da Paz Adolfo Perez Esquível e Kailash Satyarthi.
O indiano, que levou a honraria pela luta pelos direitos das crianças e contra o trabalho infantil, saiu da visita impressionado com a força de Lula. ” É o mesmo homem, mais forte do que nunca, com força no coração e na alma e determinação por um mundo melhor”.
“Para Lula…”
Quando Lula entrou no espaço da Polícia Federal transformado em sala de imprensa na manhã daquele dia 26 de abril pouco ou quase nada se sabia sobre o teor da entrevista que a Folha de S. Paulo e o El País fariam pelas duas horas seguintes. O fato é que naquele primeiro encontro com a imprensa no cárcere – possível após intensa batalha judicial – o inevitável aconteceu: o Brasil e o mundo voltaram seus olhos e ouvidos para o ex-presidente.
A repercussão foi tão estridente que logo dezenas de outros veículos de imprensa do Brasil e do mundo passaram a pleitear um encontro com Lula – isso sem contar os que estavam na fila pelo direito de entrevistá-lo. Depois de Folha e El País, a decisão jurídica abusiva de que o ex-presidente não poderia falar foi alterado de maneira irreversível. Resultado: para desespero da turma de Sergio Moro e os súditos cada vez mais raros de Jair Bolsonaro, era ele, Lula, novamente o grande destaque do cenário político nacional.
Até o fim do cárcere político em novembro passado, foram quase três dezenas de entrevistas concedidas a veículos do Brasil e do mundo na sede da PF em Curitiba. Algumas históricas. Todas elas propagadas com imenso destaque em sites, revistas, jornais e programas televisivos.
Por Henrique Nunes da Agência PT de Notícias