Tem gente que pensa que a candidatura de Bolsonaro é um problema exclusivo da direita e, do ponto de vista eleitoral, realmente é. Isso porque o candidato da continuidade do golpe e de suas políticas neoliberais, que é o tucano Geraldo Alckmin, e o candidato formal do golpe, que é Henrique Meirelles, terão que disputar parte dos eleitores conservadores com a extrema direita e sua truculência.
Entretanto, a democracia e os direitos humanos são princípios inegociáveis. Tratam-se de valores civilizatórios que devem ser defendidos por toda a sociedade, sempre. A democracia é um regime de governo tão fantástico que permite até aqueles que a ameaçam e a agridem, defensores da ditadura militar e de uma suposta intervenção militar, serem candidatos. E ainda, os que acreditam que a formação do povo brasileiro está relacionada à “indolência dos indígenas e à malandragem dos africanos” disputarem o voto popular, de uma população majoritariamente afrodescendente.
O próprio candidato apoia publicamente notórios torturadores, como no caso do voto que proferiu, no plenário da Câmara dos Deputados, em razão do golpe contra a presidenta Dilma. Também pediu, no passado recente, o fuzilamento dos que defendiam as privatizações, que, agora, ele próprio apoia incondicionalmente.
Mas, entre tantas barbaridades, o que mais choca são as propostas para a educação. Sob o falacioso pretexto de combater o marxismo e implantar uma proposta educacional obscurantista, homofóbica e preconceituosa, inspirada na chamada “escola sem partido”, o candidato propõe a descabida troca da educação presencial pela educação à distância, em todos os níveis de ensino.
No ensino fundamental ainda temos um imenso desafio para a alfabetização, o exame que introduzimos, em 2012, de Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA), revelou que 22% das crianças não leem, 34% não escrevem e 54% não dominam os princípios básicos da aritmética, até os oito anos de idade, como deveriam. E 75% dessa defasagem está concentrada em crianças que vivem em situação de pobreza, na periferia das grandes cidades, semiárido nordestino e população ribeirinha da Amazônia.
Iniciamos um imenso esforço de cobertura para creches e pré-escola para fortalecer o processo de aprendizagem e convivência, especialmente para esse público das crianças de famílias pobres e não letradas, que estão concentradas em 180 mil escolas.
Lançamos o Pacto Nacional para Alfabetização na Idade Certa (Pnaic) assegurando material pedagógico, uma bolsa de estudos e um programa de formação continuada, em parceria com as universidades públicas, para todos os 300 mil professores e professoras alfabetizadoras. Paralelamente, avançamos na escola de tempo integral, complementando a formação com reforço em português e matemática, com mais atividades de educação física e artes. O Ideb tem avançado acima do esperado nos anos iniciais do ensino fundamental. E a grande dificuldade está nas escolas em regiões de pobreza, onde falta muito, inclusive banda larga e internet.
Pois bem, o candidato quer tirar as crianças do processo de convivência e de aprendizagem na escola e substituir por educação à distância.
Essa proposta já está presente na reforma do ensino médio do governo do golpe, que pretende substituir parte substancial da grade curricular por ensino à distância, efetivar a inaceitável privatização do Fundeb, sem qualquer controle de qualidade, quando todos sabem das carências de recursos e de investimentos em grande parte das escolas públicas brasileiras.
Na prática, o que o candidato está defendendo é a liberação desenfreada da educação à distância com o claro objetivo de privatizar a educação pública. O pior é que esse disparate vem acompanhado da flexibilização da ação do Estado na regulação e no controle da qualidade, com o fim da exigência de fiscalização sobre os polos presenciais no ensino superior e a oferta de cursos técnico-profissionalizante que não constem no Catálogo Nacional de Cursos Técnicos, como está ocorrendo no governo Temer.
Sem qualquer controle de qualidade sobre as instituições e os conteúdos que serão oferecidos pela modalidade a distância, vivenciaremos uma segregação educacional selvagem. É a institucionalização de um verdadeiro apartheid educacional, entre os alunos das escolas privadas com ensino presencial e da escola pública com ensino à distância, que esteve muito presente na história do Brasil.
A expansão da educação híbrida, que combina a presencial e a distância, vem ocorrendo em todo o mundo, mas com acompanhamento dos critérios de controle e de qualidade. As novas tecnologias devem ser utilizadas como complemento da jornada escolar, ou seja, para aprimorar a relação professor-aluno, para enriquecer a convivência escolar e para inserir os alunos na sociedade do conhecimento.
Foi para isso que ampliamos o número de laboratórios de informática nas escolas e distribuímos tabletes para professores do ensino médio. As novas tecnologias digitais não devem esvaziar as escolas, a pretexto de uma patrulha ideológica fundamentalista e descabida.
Além disso, a convivência escolar é fundamental para a formação dos nossos estudantes. A escola é um ambiente de descoberta do conhecimento, do convívio com a diversidade, a cultura e a formação, tendo como complementação o ensino das artes e da educação física. A escola deve preparar para a vida em um sentido amplo, familiar, social e profissional. Nas periferias dos grandes centros urbanos, em que violência e as drogas estão tão presentes, a exclusão do ambiente escolar é um imenso e perigoso atraso civilizatório e um aumento do risco para as crianças, os jovens e suas famílias.
O candidato realiza um ataque permanente à discussão sobre a diversidade nas escolas, contribuindo para o aumento do preconceito e do obscurantismo. Acontece que, por mais que alguns queiram negar, há diversos casos de crianças que sofrem com o bullying e que voltam para casa chorando, todos os dias, vítimas de agressões, em razão da intolerância. Por isso, a escola deve ser acolhedora, permitindo a convivência respeitosa com todas as diferenças.
Bolsonaro também declarou, recentemente, que usaria um lança-chamas para queimar e retirar os simpatizantes do patrono da educação brasileira, Paulo Freire, do Ministério da Educação. Conheci Paulo Freire quando ele voltou do exílio, no final dos anos 70 e dávamos aula na PUC/SP. Um intelectual brilhante, denso, criativo, inovador e uma pessoa delicada, respeitosa, que sempre tinha algo a ensinar, em cada frase, em todos os gestos.
Além de ser o brasileiro com maior número de títulos de doutor honoris causa em todo mundo, Paulo Freire é um homem que dedicou sua vida à educação e deu uma contribuição inestimável para o país, a partir da construção da pedagogia libertadora para a educação na alfabetização de jovens e adultos. Ele passou parte importante de sua vida no exilio forçado, para superar a perversa herança histórica do analfabetismo. É só lembrar que em 1920, 75% da população brasileira era analfabeta.
Em vida, Paulo Freire foi perseguido pela ditadura militar, que exilou, torturou, censurou e amordaçou a democracia brasileira. Agora, já morto, tem sua memória e sua obra afrontadas por um candidato à presidência da República, que agride recorrentemente o Estado democrático de direito. Mas, assim com a luta democrática derrotou a ditadura militar, nas eleições de 2018, com o voto popular, vamos derrotar os candidatos dos golpes, todos eles, sejam do golpe de 1964 ou 2016.
Por Aloizio Mercadante