Por alguns dias, esperei que houvesse algum tipo de vazamento seletivo e que fosse publicada pela imprensa a notícia de que o juiz eleitoral Dr. Francisco Carlos Inouye Shintate acatou o pedido do promotor de justiça eleitoral do Ministério Público do Estado de São Paulo Dr. Luiz Henrique Cardoso Dal Pos e determinou o arquivamento do inquérito policial, que havia sido instaurado para apurar as alegações feitas pelo Sr. Ricardo Pessoa, em sua delação premiada, de que existiria um suposto esquema de caixa 2, na minha campanha para o governo de São Paulo de 2010, o que não aconteceu.
Em sua promoção de arquivamento, que segue o mesmo entendimento do delegado da Polícia Federal responsável pelo caso, o promotor afirmou “cruzamos os dados e não foi possível obter provas que sustentassem o que foi dito na delação”, atestando minha total inocência e confirmando aquilo que sempre defendi publicamente desde o primeiro momento, ou seja, de que as doações realizadas pelas empresas de Ricardo Pessoa para a minha campanha, em 2010, foram declaradas integralmente nas prestações de contas, que já tinham sido aprovadas pela Justiça Eleitoral.
O restabelecimento da verdade dos fatos dentro do processo jurídico, contudo, não repara de forma definitiva todo o dano que o vazamento seletivo, continuado e irresponsável dessa delação causou à minha imagem pública. Tão pouco apaga o expediente denuncista e espetacularizado com que o tema foi tratado por parte significativa da imprensa.
Na ocasião do vazamento, quando eu ocupava o cargo de ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República, no afã de enfraquecer o governo da então presidenta Dilma e de criminalizar o PT, parte da imprensa chegou a noticiar, sem a devida e necessária apuração jornalística e apesar de todas as minhas afirmações em contrário, que a investigação dessa delação ocorreria no âmbito da Operação Lava Jato. Esse erro jornalístico confundiu de forma deliberada a opinião pública ao misturar uma falsa denúncia, que envolvia um suposto crime eleitoral, com os desvios de recursos da Petrobras. Pois bem, aí estão os fatos e como sempre afirmei: nunca fui e não sou investigado pela Operação Lava Jato.
É inacreditável que a palavra e as falsas acusações de um delator confesso, chegadas ao grande público por meio de um vazamento seletivo, tenham gozado de maior credibilidade e tenham merecido maior espaço na imprensa do que a minha, que jamais fui réu em toda a minha vida pública. Mesmo tendo apresentado imediatamente os recibos referentes aos R$ 500 mil, arrecadados de forma legal e devidamente declarados na prestação de contas da minha campanha eleitoral de 2010, não tive qualquer direito de defesa em alguns importantes veículos de imprensa.
Os recibos dos R$ 500 mil são a prova cabal de que a acusação era insustentável, uma vez que são no mesmo valor que o delator afirmou ter doado para a minha campanha, sendo, na versão dele, R$ 250 mil de forma legal e outros R$ 250 mil mediante recursos não contabilizados.
Os meus 45 anos de militância e de viva pública, sendo quase 26 deles ocupando cargos públicos sem ter sido réu em qualquer processo, foram totalmente desconsiderados em detrimento de uma denúncia descabida, infundada e sem provas. Todas as testemunhas ouvidas no inquérito, inclusive o próprio sócio, diretores e vários funcionários das empresas de Ricardo Pessoa me inocentaram completamente. Quem vai, agora, reparar todo o dano causado por essa ilação e seu respectivo vazamento?
Essa lamentável e sofrida experiência me leva a propor ajustes indispensáveis na legislação das delações premiadas. A primeira é que a delação, ou parte da delação, só pode ser considerada válida após a apresentação de provas mínimas que sustentem as afirmações. Parece que a própria Procuradoria-Geral da República e a Polícia Federal começam a mudar os procedimentos nessa direção. Entretanto, essas exigências deveriam estar claramente definidas em lei. Não podemos assistir passivamente à flexibilização da justiça, à fragilização dos mecanismos de defesa e ao atropelo dos prazos e procedimentos do devido processo legal em busca de um suposto apoio popular pelo linchamento moral dos políticos, especialmente da esquerda e do PT.
Seria fundamental que uma nova legislação definisse medidas protetivas das empresas investigadas e dos empregos dos respectivos trabalhadores, punindo com rigor gestores e proprietários comprovadamente envolvidos em práticas ilícitas. As empresas são uma riqueza social, que não podem continuar a serem destruídas como estão sendo, com centenas de milhares de trabalhadores desempregados.
Uma outra dimensão importante é em relação ao comportamento da imprensa frente a todo esse processo. A liberdade de imprensa e de expressão, a pluralidade do pensamento e o acesso a fontes de informações diversificadas e independentes constituem-se como pilares fundamentais para o pleno exercício da democracia e da própria cidadania. É claro que as pessoas públicas estão sujeitas a constantes avaliações, críticas e cobranças da sociedade em razão de seus atos e é papel inerente dos meios de comunicação o controle social da política.
Entretanto, é preciso reverter essa onda de denuncismo e de espetacularização da notícia, que atingiu parte significativa da imprensa, baseada apenas na divulgação irresponsável de delações sem provas de criminosos confessos, que são capazes de tudo para se livrarem do rigor da lei. Os ajustes na legislação que ampara as delações deveriam definir também o direito de resposta, com o mesmo espaço e destaque no noticiário, dos efetivos produzidos por matérias divulgadas com base apenas em delação, ou em delações, porque somente delações cruzadas também não são suficientes, quando essas não são comprovadas.
O desacreditado Congresso Nacional precisa reagir e cumprir seu papel constitucional de contribuir para as investigações contra todos os crimes, incluindo o grave crime de corrupção. Mas, não pode abdicar de sua função primordial no estado democrático de direito: a defesa dos princípios constitucionais, do devido processo legal, das prerrogativas, dos direitos e das garantias individuais. A legislação que ampara as delações precisa de ajustes urgentes e fundamentais.
A continuidade desse estado de exceção seletivo, fortemente policialesco e que criminaliza de forma irresponsável a política, especialmente por meio do assassinato de reputações pela imprensa, com a divulgação de mentiras, calúnias e difamações sem qualquer possibilidade de defesa, constitui-se como uma ameaça real ao estado democrático e de direito. Por isso, princípios fundamentais do jornalismo, como a checagem das informações, a apuração correta dos fatos e o direito efetivo de resposta, precisam retornar à pauta da imprensa nacional imediatamente.
Diante de todo o exposto e da constatação irrefutável da minha completa e inequívoca inocência, reconhecida, inclusive, por todos os órgãos de controle e de investigação e pela justiça, eu pergunto: quem vai, agora, reparar os meus direitos e os de tantos outros?