Que a gestão do ilegítimo e golpista Michael Temer (MDB-SP) não é pública nem social o mundo inteiro sabe. O que talvez muitos ainda não tenham se dado conta é que o sinal que passa a vigorar na política pública brasileira nesse momento é o da mercantilização. E a saúde foi uma das primeiras a sofrer o baque do golpe de Estado de 2016 já na nomeação dos ministros das pastas responsáveis pelo Programa Mais Médicos. Tanto na Saúde quando na Educação, a missão dos seus respectivos representantes é atender às expectativas dos empresários, ou seja, do setor privado.
Criado em 2013 por meio da lei 12.871/13 para suprir o Brasil de profissionais formados em atenção básica à saúde, até 2015 o programa atingiu o pico de 18.240 médicos que atuavam em mais de quatro mil municípios e atendia 63 milhões de brasileiros que passaram a ter um profissional especializado na área da saúde da família perto de casa, sendo atendidos em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) equipada.
Hoje, esse número oscila entre 16.500 e 17.00. A incerteza é resultado da falta de transparência dos órgãos responsáveis que não publicam mais esta informação. A única certeza é a se que o Mais Médicos vem sendo silenciosamente desmontado. E os números mostram isso: nos dois primeiros anos de Programa, o governo Dilma Rousseff investiu R$ 15,8 bilhões. Para este ano, foram destinados R$ 3,3 bilhões, praticamente o mesmo valor do ano passado.
Porém, a mudança sutil e mais significativa da política social não é na quantidade de profissionais atuando e sim na formação e qualificação do atendimento, conforme explicou ao Portal CUT o médico doutorando responsável pelo Programa entre os anos de 2014 a 2016, Hêider Pinto.
Ele contou que quando Ricardo Barros tomou posse como ministro da Saúde, assumiu compromisso com parte da corporação médica de desmontar o programa.
“Mas, por várias pressões – especialmente porque o Mais Mėdicos é muito bem avaliado pela população e, por esse motivo, é defendido por políticos de todos os partidos principalmente prefeitos e deputados – não conseguiu levar a cabo essa missão”.
Segundo Hêider, o ministro indicado por Temer fez promessas mais vazias, genéricas para tentar prestar conta a esse grupo político “Foi quando decidiu reduzir os médicos cubanos e não substituir por brasileiros”, lembrou o ex-coordenador do programa.
Para o especialista, esse foi o primeiro grande desfalque à política pública.
Ele explica que foi por meio de brechas na lei e flexibilização de regras que os golpistas desmontaram a parte mais estruturante do programa que é a da formação médica. A meta do Mais Médicos era de, até 2026 ter no Brasil 2.7 profissionais da medicina por mil habitantes. Antes de ser lançado o país contava com 1.8 e hoje atingiu a marca de 2.0.
“Só que eles proibiram a expansão da residência médica com formação de especialista e de novas vagas de residência nas universidades públicas”, denunciou.
E, para piorar, completou Hêider, “eliminaram todos os estímulos e benefícios previstos na lei 12.871/13 que incentivavam os estudantes de medicina que tinham interesse em se especializar na área da saúde da família e comunidade”.
De acordo com Hêider, isso ocorreu basicamente porque não é interessante às entidades médicas o governo federal planejar e fomentar essa formação. “O que os dois ministros (da saúde e educação) disseram para esse grupo corporativo foi o seguinte: o Estado vai sair da regulação e do planejamento da formação de especialistas e vocês (mercado) fazem a formação dos médicos como bem entenderem e com os critérios que saírem da cabeça de vocês”.
Balcão de negócios
Conforme proposta apresentada em documento intitulado Uma Ponte para o Futuro, um dos objetivos do MDB, partido que tomou de assalto a presidência da República, é “gerar oportunidades de negócios nas áreas de atuação do setor público”. E assim está sendo feito na área da saúde!
É importante registrar que a Emenda Constitucional 95 que congelou em 20 anos os investimentos públicos inviabiliza a continuidade do Sistema Único de Saúde (SUS). Consequentemente impossibilitará o prosseguimento do MM, que só tem sentido de existir a partir de políticas que fortaleçam o SUS.
Os especialistas ouvidos na reportagem afirmam que o sistema não se sustenta por mais de três anos. E, a partir do sucateamento provocado por essa agenda reformista, negócios lucrativos estão pipocando Brasil afora.
O médico de família e professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Felipe Proenço, contou que o incentivo que o governo tem dado para o aumento de planos populares vão na contramão de ter uma atenção pública e um sistema universal de saúde.
“Sem políticas fortes e específicas o Mais Médicos acaba perdendo o sentido de existir porque ele veio preencher uma lacuna que era exatamente em ampliar as equipes de atenção básica no país.”
E com a crise política, econômica e social que abarca o país, hoje já é frequente aparecer nas UBS’s trabalhadores que não conseguem mais pagar um plano privado, ou perderam o plano empresarial devido ao desemprego, e recorrem ao SUS que já não tem mais capacidade de receber tantas demandas devido a essa estagnação nos investimentos públicos.
Conforme ilustrou o especialista, o PIB percentual de recursos privados na saúde é maior que o público, “então o Brasil vem cronicamente em uma situação de sub-financiamento da saúde pública e universal e, à medida que as pessoas começam a procurar mais ainda o SUS, o que é um direito, tendem a ter menos acesso ainda com essa falta de incentivos.”
Proenço disse ainda que o perigo do aumento desses chamados planos populares é a superficialidade do produto oferecido. “Vai ser feito de tudo para restringir o acesso a exames e a um atendimento integral porque esse tipo de plano precisa ser rentável, não é o objetivo deles garantir a saúde das pessoas”, alertou.
Para ele, essa é uma opção de segunda qualidade, com consultas teoricamente baratas – entre R$ 40,00 a R$ 80,00 dependendo da região do país – que acabam ficando caras porque não possibilitam todos os procedimentos médicos, obrigando as pessoas a pagarem cada vez mais para cuidar da saúde.
Por isso, a formação médica, que busca trazer outro olhar sobre a medicina, é fundamental para a continuidade do Programa Mais Médicos, explicou o professor universitário.
“O que acontece é que não existindo mais vagas para trabalhar no SUS, passam a existir várias propostas no mercado de trabalho para esses profissionais e eles então acabam aderindo a esse tipo de contrato, sem analisar o que isso repercute para a saúde da população.”
Daí que veio a necessidade emergencial de se trazer médicos especializados em saúde da família e comunidade de outros países, especialmente Cuba, para atender essa lacuna na formação dos médicos brasileiros.
“A expectativa era que, com a expansão de faculdades públicas, os benefícios aos residentes e abertura de mais vagas de residência médica, o Brasil pudesse contar com profissionais preparados para trabalhar no Sistema Único de Saúde”, lamentou.
Por CUT