De um lado, os líderes das principais economias do mundo iniciam a Cúpula do G20, no centro de convenções Costa Salguero, em Buenos Aires, pouco depois do meio-dia. Do outro lado, movimentos populares, sindicais, partidos e organizações de direitos humanos realizam uma marcha contra o encontro econômico percorrendo as vias do centro da capital argentina a partir das 15h. Em meio a esse cenário, um terremoto atinge Buenos Aires e Região Metropolitana, por volta das 10h27, e, apesar da baixa magnitude, 3.8 pontos, fez o chão tremer em distintos locais. Tudo isso aconteceu nessa sexta-feira (30) na capital da Argentina.
Enquanto o presidente argentino, Mauricio Macri, recebia com pompas os mandatários das economias mais potentes do planeta, em especial o estadunidense Donald Trump, com quem já realizou uma reunião bilateral, a poucos quilômetros dali, uma marcha com milhares de pessoas protestava contra o G20 e suas consequências na vida dos povos.
“O G20 só serve para expropriar direitos em nível mundial, principalmente na América Latina, também os recursos naturais dos nossos países e dos nossos territórios. Então nós, feministas, estamos aqui para dizer não ao G20 e não a essa política genocida e que só prejudica nossa alimentação na América Latina e no mundo. É uma política que concentra o capital na mão de um grupo muito pequeno de pessoas, enquanto que nós da América Latina e da humanidade estamos passando fome, com perda de direitos. E com o avanço do fascismo e do racismo, não só no Brasil, mas em toda a região”, denuncia Adriana Martins, da Articulação de Mulheres Brasileiras e da Rede de Mulheres Negras. Ela esteve na capital argentina para participar da marcha e das atividades da Cúpula dos povos, que aconteceu na quinta-feira (29).
Morador de Zavaleta, uma das favelas de Buenos Aires ou, como são chamadas pelos argentinos, “villas”, Fidel Ruíz, da organização La Poderosa, fala da importância da marcha contra a cúpula econômica dessa sexta-feira (30). “O que se discute no G20 é o que depois vai atingir nossos bairros. Então, estar aqui hoje [protestando] é repudiar tudo isso, porque aqui estão o FMI, o Banco Mundial, distintos organismos e os países que nos impõem no dia a dia o preço de suas políticas econômicas e sociais. Tudo o que vai acontecer lá dentro vai atravessar nossos povos, ainda mais nesta crise econômica, política e social que passamos”, diz.
Um dos setores sociais que serão gravemente atingidos pela política econômica oriunda do G20 são as mulheres, como salienta a feminista e educadora popular Claudia Korol.
“Ontem realizamos, entre muitas outras atividades, um tribunal feminista contra as políticas de exploração, racistas e patriarcais do G20. Ao ver as denúncias realizadas pelas companheiras feministas negras, indígenas, camponesas, migrantes, populares, dizemos que o G20 e suas políticas afetam todo o povo, por isso é uma luta de todos e todas. Mas que afeta de uma maneira particular as mulheres devido à divisão sexual do trabalho, por exemplo, as tarefas de cuidados que recaem sobre elas, que se fazem mais intensas e que se precarizam. Há consequências diretas, como feminicídios políticos, como Berta Cáceres, Marielle Franco, Macarena Valdés, mas também as que são menos visíveis”, aponta Claudia, que representa o coletivo Pañuelos en Rebeldía, da Argentina.
Ex-assessora da vereadora Marielle Franco, assassinada este ano no Río de Janeiro, a transfeminista Lana de Holanda afirma: “A Marielle estaria muito orgulhosa da nossa luta, sem dúvida. Ver uma manifestação popular com tantas mulheres indígenas, negras, muitas que vieram do Brasil, ela estaria orgulhosa e vendo que a transformação que ela tanto acreditava vai, sim, acontecer um dia.”
Grande cerco
Há semanas, o governo argentino vem sustentando a posição que o ideal seria que a população de Buenos Aires deixasse a cidade nos dias de ocorrência do G20. Para isso, diversas vias da região central foram fechadas, transporte de metrô e trens não foi oferecido, e várias linhas de ônibus foram suspensas, além de ser decretado um feriado em Buenos Aires na sexta-feira (30), primeiro dia da cúpula que acontecerá até este sábado (1).
Um grande operativo policial também ocupou as ruas, e caminhando por bairros da região central da cidade, era possível observar duplas de policiais em cada esquina. Um esquema nunca antes visto, contam os moradores locais.
A marcha, autorizada na quarta-feira (28) pelo Ministério de Segurança do país, percorreu a avenida de Maio em direção ao Congresso Nacional, em um percurso que durou aproximadamente 2h30. Nas ruas que cortavam a avenida, tapumes de ferro fechavam a passagem e 2.500 policiais, segundo o próprio ministério, acompanhavam os manifestantes. Apesar da apreensão antes do início do ato, nenhum incidente grave de violência foi notificado.
A militante sempre presente em diversas manifestações há décadas, Nora Cortiñas, uma das Mães da Praça de Maio, reivindica o caráter pacífico da manifestação. “Não queremos um país de repressão e ajuste, queremos uma população que tenha vida digna. Para matar é necessário apenas um, para que tantos [policiais]? Para levar adiante esta política, eles têm que ter toda essa repressão ao redor. E o governo tem medo deste povo que está nas ruas”, afirma.
“Não existe uma maneira de aplicar este sistema econômico sem sustentar o aparato repressivo e sem a cumplicidade dos grandes meios de comunicação. Aqui tem um povo que está de pé”, completou Nacho Levy, também de La Poderosa, organização de villas e favelas da Argentina e da América Latina.
Por Brasil de Fato