Quem se der ao trabalho de verificar receitas e despesas de campanhas, declaradas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), talvez se espante com os valores investidos por voto em 2014, dos deputados federais eleitos, e dos não-eleitos, mas bem votados – isso, mesmo sabendo-se serem os gastos oficiais menos da metade do real. Como há relação direta entre os gastos das campanhas municipais e estaduais, no tocante à compra de votos, pesquisar os valores declarados ajuda a compreender os votos da maioria dos deputados federais no “impeachment” e agora na PEC 241.
O ex-ministro Alfredo Nascimento, por exemplo, eleito em 2014 com 120 mil votos e arrecadação declarada de R$ 2,865 milhões, foi o campeão do Amazonas em gasto unitário: R$23,87 por voto, quase o mesmo que Artur Bisneto (R$22,46), que por sua vez foi o campeão em arrecadação, obtendo R$5,637 milhões, e em votos: 251 mil. Chama a atenção também o fato de Silas, o segundo mais votado (166 mil), ter gasto apenas R$6,40 por voto. Os demais deputados federais amazonenses gastaram por voto entre R$7,94 (Átila, 89 mil votos, R$707 mil arrecadados) e R$19,45 (Pauderney, 104 mil votos e R$2,023 milhões).
Todos esses dados são públicos. Se os acadêmicos e os profissionais que estudam as campanhas eleitorais se derem ao trabalho de pesquisar de maneira aprofundada a questão do fluxo de dinheiro, teríamos o quadro completo do comércio de votos no Brasil, com os nexos de valores entre deputados federais e estaduais e respectivos “cabos eleitorais”/candidatos a vereador.
Da mesma forma, se houver real interesse por parte do Judiciário e da Mídia, em diminuir a corrupção nos governos, parlamentos e judiciários nos três níveis, e nas polícias e em outros órgãos estatais, têm que reduzir a corrupção eleitoral, que faz de 80% dos parlamentares municipais, estaduais e federais verdadeiros comerciantes de votos – porque quem compra tem que vender, para continuar comprando…
Como a lei complementar nº 64/1990 pune, com oito anos de afastamento do processo eleitoral, os condenados por “corrupção eleitoral, captação ilícita de sufrágio, doação, captação ou gastos ilícitos de recursos de campanha ou conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais”, é possível supor que o combate ao comércio de votos faria uma verdadeira “limpeza” na política nacional.
Pouca gente sabe, ou se lembra, da compra de votos de deputados federais por ocasião da “eleição indireta” do presidente da República, em 1984. Esse episódio se tornou público graças à denúncia do então deputado federal Mário Juruna, que acusou o “candidato” Paulo Maluf, hoje novamente deputado federal, por tentar comprar seu voto por 30 milhões de cruzeiros.
Igualmente poucos sabem, ou se lembram, da compra de votos de deputados federais pelo presidente da República Fernando Henrique, para a aprovação da emenda da reeleição, em maio de 1997. Denunciada então pelo jornalista Fernando Rodrigues, da Folha de S. Paulo, e há pouco confirmada por Pedro Corrêa, ex-presidente do Partido Progressista, que revelou ainda que a compra de votos teria tido a contribuição valiosa do banqueiro Olavo Setúbal, encarregado do repasse dos recursos (à época, R$200 mil por deputado) aos mais de 100 parlamentares que teriam aceitado a oferta.
A compra de votos teria sido praticada também por Aécio Neves, então candidato à presidência da Câmara dos Deputados, em 2001, conforme relatou o ex-senador Sérgio Machado, do PSDB-CE.
Todos esses fatos são públicos e notórios, e impunes até hoje. Ou melhor, no caso da compra de votos da reeleição de Fernando Henrique, comprovada por confissões gravadas e a renúncia de mandato de dois deputados federais acusados, ocorreu algo surreal, segundo o que o jornalista Fernando Rodrigues relata a respeito em seu blog: ele foi intimado(!) pela Polícia Federal, em junho de 2001, a dizer o que sabia a respeito do caso.
Milton Pomar é geógrafo, mestrando, trabalha em campanhas eleitorais há 30 anos.