A compra de votos será substancialmente reduzida no Brasil, se as 500 maiores empresas – e não apenas uma ou duas grandes – pararem de financiar campanhas eleitorais via “caixa dois”. Isso porque a corrupção no processo eleitoral acontece via compra massiva de votos, que exige somas elevadas de dinheiro, necessariamente “não-contabilizado” porque financia crime eleitoral. A quase totalidade do que entra via “caixa dois” em campanhas milionárias de representantes do empresariado é para a compra de votos, e ela consome 50% a 60% dos recursos totais.
De 1985 até agora ocorreram 18 eleições, metade municipais, nas quais é dominante a compra de votos – para 60 mil vereadores(as) e 5,6 mil prefeitos(as), eleitos em disputas com quase um milhão de candidatos e candidatas e mais de 100 milhões de votantes. Talvez o total comprado nesse período, de 1985 a 2016, seja superior a 500 milhões de votos, o que define o processo eleitoral e a democracia do Brasil como farsas de grandes proporções, maiores até que a das prestações de contas oficiais.
Detalhe importante: essa engrenagem sempre funcionou com a participação ativa e passiva do Judiciário, Ministério Público e polícias no acobertamento histórico da compra de votos. O caso mais emblemático da compra de votos – no caso, de deputados federais – foi o de Fernando Henrique Cardoso, há 20 anos, para conseguir aprovar a reeleição presidencial. O valor pago a cada deputado equivaleria hoje a mais de R$1 milhão.
Apesar da “compra” ter sido denunciada com provas, e de envolver mais de 100 deputados, o beneficiário e os seus operadores financeiros não sofreram nenhuma punição.
Objetivamente, empresários não vão parar de financiar campanhas/compra de votos (portanto, corrupção) para seus representantes, porque ela é essencial para terem maioria nos legislativos e governos e garantirem assim que o sistema político atenda os seus interesses. Prova de que a compra de votos é intrínseca ao sistema político capitalista é o fato de que ela não é citada por delatores, promotores ou em sentenças dos juízes – e muito menos no noticiário espalhafatoso das delações. É como se a compra de votos não existisse no Brasil, e os bilhões de reais repassados para disputas eleitorais via “caixa dois” fossem apenas para pagar despesas normais de campanhas.
Ainda não se sabe até aonde os integrantes do Judiciário, que estão à frente da devassa empresarial e política em andamento, têm condições efetivas de ir no enfrentamento do Executivo e do Legislativo, tal o desmonte da economia nacional que estão causando, mais a exposição do funcionamento do sistema político capitalista em vigor no Brasil, movido a compra de votos e muito dinheiro. Talvez eles ainda não tenham se dado conta do tamanho da contradição em que se meteram, porque se forem até o fim no combate à corrupção, terão que prender milhares de empresários que financiam candidatos que compram votos. E junto com eles, além dos políticos representantes de empresários, também os integrantes do Judiciário que sempre fizeram vista grossa ao funcionamento do sistema. Será uma revolução inédita na história mundial…
Os representantes dos empresários no Congresso e no Executivo preservarão a compra de votos e o dinheiro necessário ao funcionamento do sistema político capitalista anistiando o “caixa dois” e crimes a ele relacionados, como a lavagem de dinheiro, e legalizando o repasse de dinheiro de empresas para campanhas, como existe nos Estados Unidos. E a maior parte dos casos delatados não deverá resultar em condenações em última instância, a exemplo dos casos do PSDB, prescritos antes das sentenças serem proferidas.
Resumindo, continuará como dantes os bilhões de reais do meio empresarial para a compra massiva de votos, das maneiras que sabem e de outras que criem. Se foram capazes de financiar a derrubada de uma presidenta eleita com 50 milhões de votos, para promover o festival de retrocessos que estamos assistindo, certamente farão muito mais para manter as coisas funcionando a seu favor.
Milton Pomar, 58, profissional de marketing e geógrafo, trabalha em campanhas eleitorais do PT desde 1986. Mestre em “Estado, Governo e Políticas Públicas” (Flacso/SP)