A Petrobras tem enorme poder de compra. Não há margem para os fornecedores formarem um cartel e prejudicarem o comprador
A investigação de irregularidades em contratos da Petrobras é fundamental para o aperfeiçoamento de nossas instituições. A apuração dos fatos e a eventual condenação dos responsáveis são necessárias.
Até agora, contudo, o espetáculo na investigação da Operação Lava Jato prevaleceu sobre o conteúdo. E o real objeto de investigação deu lugar a mitos que causam enormes prejuízos ao emprego, à produção e, ao final, retarda o próprio processo de aperfeiçoamento institucional. Há três noções que têm apelo popular e dão boas manchetes, mas que são totalmente equivocadas e geram efeitos devastadores.
A primeira é a proposição de que a Petrobras teria sido vítima de um cartel de empreiteiras. Tal noção é insustentável. Do ponto de vista da defesa da concorrência, não faz sentido discutir qualquer infração sem a compreensão de qual é a estrutura do mercado na qual o suposto ilícito teria ocorrido.
No caso da Lava Jato, a Petrobras tem enorme poder de compra, para não dizer poder absoluto. O termo técnico é pouco conhecido: trata-se de um monopsônio, situação na qual há apenas um comprador, que pode, portanto, orientar e dirigir o mercado. Não há margem para os fornecedores formarem um cartel e prejudicarem o comprador.
Tal fato é ainda mais claro no caso da Petrobras, que detém o comando do processo de contratação mediante regime jurídico que limita o raio de manobra de suas contratadas. A lei nº 9.478/97 (Lei do Petróleo) autorizou a companhia a celebrar contratos por meio de procedimento licitatório simplificado.
Assim, a Petrobras deixou de seguir o modelo tradicional estabelecido na lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações) para desenvolver forma própria de contratação de bens e serviços. Portanto a barreira à entrada de novos competidores decorre não de uma ação concertada entre empresas, mas do próprio formato de contratação sob o comando da Petrobras. É a Petrobras quem define os participantes das licitações por intermédio das cartas-convite.
A segunda noção equivocada é a de pretender que as empresas investigadas deixem de participar de novas licitações. Não há base constitucional para impedir que empresas sob investigação, que não tenham sido condenadas em última instância, participem de licitações.
Do ponto de vista econômico, equivale a excluir atores do mercado e diminuir a concorrência. A proposta que pretende defender a concorrência termina por reduzi-la, ampliando os custos para os órgãos públicos contratantes.
O terceiro equívoco é o de que os excessos e a espetacularização da Operação Lava Jato são neutros do ponto de vista econômico. Chega-se a argumentar com um misto de cinismo e ingenuidade que grandes empresas nacionais poderiam ser rapidamente substituídas por outras, inclusive estrangeiras.
Não se deve admitir que o clamor popular execre e destrua o patrimônio e empresariado brasileiro, com impactos nefastos na economia.
Exercício simples utilizando dados do IBGE mostra que o potencial de destruição de renda e emprego de uma Operação Lava Jato mal conduzida pode custar mais de R$ 200 bilhões em termos de PIB e mais de 2 milhões de empregos. É um passo na direção de algo pior que a recessão vivida atualmente: a depressão.
Deve-se aperfeiçoar as relações entre público e privado, cobrando transparência e governança. Não se pode, entretanto, querer saciar uma sanha irracional por vingança aniquilando a experiência e o talento empreendedor nacionais.
GESNER OLIVEIRA, 59, ex-presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica e da Sabesp, é professor de economia (FGV) e sócio da GO Associados
FERNANDO S. MARCATO, 36, é professor de direito na FGV-SP e sócio da GO Associados
PEDRO SCAZUFCA, 33, é mestre em economia pela FEA-USP e sócio da GO Associados