Partido dos Trabalhadores

Morte, incêndios e ameaças no campo marcam ascensão de Bolsonaro

Nome do então candidato e atual presidente eleito foi mencionado em agressões como “tocar fogo nos petralhas”. Casos ocorreram em seis estados e no DF

Reprodução/MST

Acampamento Quilombo Campo Grande sofre ameaça de despejo

São 20 horas de 27 de outubro, véspera do segundo turno das eleições. Moradores do acampamento Sebastião Bilhar assistem ao Jornal Nacional quando passa uma caminhonete na BR-262, estrada próxima ao município de Dois Irmãos do Buriti, no estado do Mato Grosso do Sul (MS). Ouvem-se os gritos: “Bolsonaro, Bolsonaro!”. Na sequência, labaredas de fogo começam a se espalhar pelos barracos da ocupação ligada ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e localizada às margens da rodovia.

Os moradores correm com a água, mas, feitas de madeira e lona, as tendas são rapidamente consumidas pelo incêndio. Os acampados perdem também colchões, panelas e roupas. Ninguém se feriu.

Desde então, as 240 famílias que vivem no acampamento criado em julho de 2017 estão apreensivas. “Naquela noite ninguém conseguiu dormir. Nosso receio é que a violência se intensifique ainda mais com a vitória de Bolsonaro, que nos ameaça o tempo todo”, afirma Lea Vilas Boas, moradora da ocupação e integrante do MST. Os moradores do acampamento produzem mandioca, abóbora, feijão e alface e criam porcos e galinhas.

De acordo com Lea, ofensas e ameaças são frequentes na vida dos que moram em barracas na beira da rodovia: “Os fazendeiros passam, xingam, fazem sinais obscenos”. Mas é a primeira vez que há um incêndio criminoso. Os integrantes do MST registraram um Boletim de Ocorrência (BO) na delegacia do município de Dois Irmãos, mas os autores do crime não foram identificados.

Motivação política

O incêndio no acampamento é um dos 11 ataques apurados pela reportagem que ocorreram no campo durante o período eleitoral e tiveram motivação política. Além de Mato Grosso do Sul, onde houve pelo menos mais três casos, levantamos ocorrências nos estados da Bahia, Ceará, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Paraná, Pernambuco e Tocantins.

A campanha de Jair Bolsonaro foi marcada por ameaças e palavras de ódio aos movimentos sociais e aos “vermelhos”. Ele prometeu tratar como atos terroristas ações do MST e do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). “Vocês, petralhada, verão uma Polícia Civil e Militar com retaguarda jurídica para fazer valer a lei no lombo de vocês”, ameaçou. “Bandidos do MST, bandidos do MTST, as ações de vocês serão tipificadas como terrorismo. Vocês não levarão mais o terror ao campo ou às cidades”, declarou.

De acordo com Sandra Carvalho, diretora da organização não governamental Justiça Global e conselheira do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), órgão ligado ao Ministério dos Direitos Humanos, o discurso radical do presidente eleito Jair Bolsonaro funciona como uma “autorização para o uso da violência”. O CNDH colheu denúncias de violência no contexto eleitoral. “Percebemos o aumento das ameaças e intimidações, inclusive com o uso, justamente, do discurso de violência autorizado, com ameaças como: ‘Vocês vão ver depois das eleições’”, relata Sandra.

No dia seguinte à vitória nas urnas, ele disse que “Toda ação do MST e do MTST devem ser tipificadas como terrorismo. A propriedade privada é sagrada”.

Em julho, durante agenda em Eldorado do Carajás (PA), palco do maior massacre contra sem-terra da história brasileira, defendeu os policiais que mataram 19 trabalhadores rurais e deixaram mais de 60 pessoas feridas, em 1996.

Apoiador declarado da interrupção das demarcações de terras para indígenas, Bolsonaro chamou o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), assim como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), de “parte podre da Igreja”.

Em razão das denúncias de violências, ameaças e intimidações recebidas durante o período eleitoral, o CNDH emitiu nota manifestando “extrema preocupação diante do clima nacional” e cobrou providências das instituições do sistema de Justiça do país.

Em cartas enviadas à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Organização dos Estados Americanos (OEA) no dia 24 de outubro, um conjunto de entidades de direitos humanos denunciou agressões cometidas em nome de Bolsonaro e manifestou preocupação com a candidatura que claramente incentivava a violência. Já a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que visitou o Brasil no começo de novembro, após as eleições, esteve reunida com o MST e ouviu denúncias de indígenas e movimentos sociais.

Para Kelli Mafort, da coordenação nacional do MST (leia a entrevista na íntegra), os ataques cometidos no período eleitoral podem ser indicadores de uma tendência de como o governo do capitão da reserva do Exército pode ser. “O discurso de Bolsonaro ataca frontalmente o MST e a luta popular. Seu discurso libera o ódio”, afirma.

Leia a íntegra da matéria na Agência Pública