“Hoje, o Brasil é um descumpridor das suas obrigações internacionais”. Foi com essa sentença que o advogado Cristiano Zanin concluiu sua intervenção hoje (14) em Genebra, no evento paralelo à 39ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas). O advogado do ex-presidente Lula afirmou sua posição em contestação a questões levadas ao evento pelo representante do governo brasileiro presente.
O evento, intitulado “Direitos Humanos no Brasil: retrocessos sociais, austeridade, Sistema de Justiça e criminalização” também contou com a presença da advogada de Lula, Valeska Martins, além de representantes da sociedade civil. Para a advogada, “o desrespeito do Brasil às suas obrigações internacionais deve ser condenado nos termos mais fortes possíveis”.
Valeska, que integrou a mesa do evento, destacou que, nos últimos anos no Brasil, operações realizadas pelo Ministério Publico e avalizadas pelo Judiciário, como a Lava Jato, têm violado vários direitos e garantias fundamentais no país: “Não só do ex-presidente Lula, mas de vários cidadãos brasileiros”, explicou.
A advogada disse que Lula tem enfrentado nos últimos anos intensa perseguição política, traduzida em procedimentos processuais irregulares e exceções jurídicas – e que não existe no país “sistema de apelações capaz de interromper ou reparar essas violações”.
A advogada destacou que, no processo em que Lula foi condenado, as convicções de que ele seria culpado vieram antes de qualquer comprovação de sua real responsabilidade. E que, com isso, Lula foi condenado “sem provas e por atos indeterminados”.
“Nenhuma prova de que Lula seria efetivamente culpado foi produzida. E todas as provas de sua inocência foram ignoradas”, ressaltou Valeska, acrescentando que, desde o início, o processo estava destinado a considerar Lula culpado. “A qualquer custo”. Para isso, ações ilegais e provas ilícitas (que desrespeitam direitos fundamentais e o devido processo legal), foram permitidas.
O advogado Cristiano Zanin complementou a análise de sua colega. Para ele, “dizer que o Brasil está comprometido com o devido processo legal é ignorar tudo que está acontecendo no nosso país”. Zanin avalia que “temos hoje, no Brasil, um Estado de exceção formalizado”. Uma formalização assumida, por meio de uma decisão que reconhece a possibilidade de implementação de medidas excepcionais no âmbito da operação Lava Jato. “Ora, isso significa, evidentemente, formalizar o Estado de exceção. Nós não estamos vivendo o devido processo legal”.
Ainda nesse sentido, Zanin argumentou que, “dizer que o Brasil está respeitando direitos humanos, nessa quadra em que o país acaba de negar cumprimento a seguidas decisões do Comitê de Direitos Humanos da ONU, é fechar os olhos para a realidade”.
Valeska lembrou em sua apresentação, que em 17 de agosto, o Comitê encaminhou ao Brasil uma primeira decisão no sentido de o Estado brasileiro garantir os direitos de Lula. E que, em 10 de setembro, o Comitê reafirmou sua decisão – ressaltando que o desrespeito ao comunicado anterior não estava de acordo com as obrigações assumidas pelo Brasil no plano internacional. Para a advogada, “o desrespeito às decisões do Comitê trazem danos irreversíveis”.
Fenômeno mundial
A advogada de Lula explicou que o fenômeno de condenações na Justiça cercadas de procedimentos ilegais – a fim de dar vazão a perseguições e embates políticos e que acaba por favorecer outros grupos de poder -, é um fenômeno mundial, conhecido por lawfare. Trata-se de um processo carregado de medidas assimétricas e não usuais para desqualificar os opositores. E que costuma envolver a manipulação da opinião pública com o propósito de obter apoio geral às ações nocivas a determinada pessoa ou instituição.
Na análise de Valeska, “o Brasil possui uma responsabilidade internacional que não pode estar sujeita a qualquer tipo de reorientação política” ou à vontade individual de seus governantes. O que inclui cumprir com as decisões do Comitê e de outras instâncias ligadas à ONU. “Isso não se aplica apenas ao Brasil, mas a todos os países” que por, boa fé, aderem a tais compromissos.
Em sua intervenção, Cristiano Zanin registrou que o governo brasileiro trouxe à baila a argumentação de que o ex-presidente Lula não teria exaurido os recursos internos – o que poderia afastar a possibilidade de se acionar o Comitê. “Isso é uma questão que cabe ao Comitê de Direitos Humanos da ONU – e somente ao Comitê – examinar. O governo brasileiro não tem jurisdição para sindicar as decisões do Comitê de Direitos Humanos da ONU. Ao contrário”.
Zanin lembrou que, em 2009, o Brasil, confirmou o Protocolo Facultativo que dá ao Comitê a jurisdição para analisar comunicados individuais feitos por cidadãos do Brasil. “E é isso que fez o ex-presidente Lula. Fez em 2016, quando apresentou inúmeros elementos de violação às suas garantias fundamentais”. O advogado acrescentou que as decisões que foram proferidas pelo órgão da ONU levaram em consideração todos esse elementos. “E afirmaram que o Brasil deve reconhecer e manter a candidatura do ex-presidente Lula até que haja um processo justo. Evidentemente, algo que não ocorreu até a presente data”.
Zanin sublinhou, por fim, que a decisão proferida pelo Tribunal Superior Eleitoral no final de agosto, “longe de legitimar o descumprimento pelo governo brasileiro das decisões proferidas pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU, as colocam na verdade, mais uma vez, sob as luzes das obrigações internacionais que o Brasil assumiu”.
Golpe, Temer e retrocesso de direitos
Darci Frigo, representando a Plataforma Dhesca Brasil e a organização Terra de Direitos no evento, falou contra as medidas de austeridade e em defesa de sua revogação. Ele destacou que mais de 20 mil crianças poderão morrer nos próximos 12 anos no país – mortes que poderiam ser evitadas, se essas medidas de austeridade não fossem adotadas. “Vivemos um momento muito difícil no Brasil e gostaríamos de mostrar aqui os retrocessos que o Brasil está vivendo”.
“Tais medidas criam uma crise ainda maior de arrecadação do Estado brasileiro, que passa a ter menos recursos para investimento, e que vão na contramão de recomendações de diversas organizações multilaterais”. Frigo afirmou que as entidades defendem uma “política do cuidado com a educação e com a saúde”, que conte com mais pessoas trabalhando e cuidando da saúde e educação das pessoas. “As políticas anticíclicas podiam garantir justamente que as pessoas pudessem ter trabalho nessas áreas para cuidar das pessoas”.
Leila Rocha, liderança indígena dos Guarani Nhadeva, relatou o desrespeito aos direitos dos povos indígenas no Brasil em geral e a luta pelo sobrevivência dos Guarani no Mato Grosso do Sul. E fez questão de assinalar o aumento das dificuldades, violências e perseguições após o golpe que derrubou Dilma: “O novo presidente Michel Temer não gosta de indígena, de quilombola, nem de gente pobre”.
Houve perguntas da plateia sobre o golpe ocorrido contra Dilma, à luz de uma Constituição Federal que completa 30 anos em 2018. O processo de impeachment, de acordo com o representante do governo, ocorreu todo conforme a Constituição, e foi analisado e ratificado por uma série de instâncias políticas e jurídicas.
No evento, houve também questionamentos sobre a situação das investigações do assassinato de Marielle Franco. O crime que levou a vida da vereadora do PSOL no Rio de Janeiro completou exatos seis meses hoje.
Confira o evento na íntegra
Por lula.com.br