Um novo relatório de inteligência elaborado pela Polícia Civil do Rio de Janeiro sobre a Operação Exceptios, realizada na favela do Jacarezinho e que resultou na morte de 28 pessoas, sendo considerada a operação mais letal da história do estado, excluiu da lista de objetivos o combate ao aliciamento de menores pelo tráfico no local.
A princípio, de acordo com a própria Polícia Civil, esse teria sido o principal argumento das autoridades policiais para a realização da operação, que resultou em um verdadeiro massacre na favela da zona norte do Rio de Janeiro e que chocou o país e o mundo.
No entanto, o documento agora elaborado pela polícia contradiz o argumento inicial e afirma que o único objetivo da operação policial seria o cumprimento de 21 mandatos de prisão, que foram expedidos pela 19ª Varal Criminal contra pessoas acusadas de associação ao tráfico de drogas. As acusações foram formuladas tendo como base imagens com armas que foram postadas em redes sociais, segundo o relatório.
“Operação trágica e vergonhosa”
A vereadora Tainá de Paula, do PT do Rio de Janeiro, que acompanha de perto os fatos que envolvem a operação policial em Jacarezinho, enfatiza a gravidade dos seus resultados para a comunidade atingida
“Uma operação policial que insiste em se apresentar como ‘estratégica’ não deixa um rastro de sangue. Em nenhum lugar do mundo essa ação seria considerada com resultados positivos. As incessantes tentativas da polícia em desqualificar a gravidade de mais uma operação trágica é vergonhosa. Eles usaram da justificativa do aliciamento de crianças como apelo de massas”, denuncia a vereadora Taína.
Para a vereadora do PT, a polícia lançou mão desse argumento “porque sabem que ganhariam, como infelizmente tem acontecido, o apoio de parte da população que acredita na cruel retórica do ‘bandido bom é bandido morto’. Essa afirmação traz o peso da falta de informação e racismo estrutural que a população favelada e periférica sofre todos os dias. Essas pessoas são colocadas à margem da sociedade e perdem o senso humanizador de qualquer ação pública”.
“Agora, com a mudança no foco principal dessa ação temos a justificativa da polícia de ‘cumprir mandatos de prisão’. Contudo, 27 mortos não é cumprir mandato de prisão. Pessoas mortas com sinais de execução, moradores denunciando abusos, violência e execuções, inclusive por pessoas se rendendo. Não existe argumento possível para que uma ação policial seja considerada eficaz e estratégica com 28 pessoas mortas (uma delas um policial civil)”, enfatiza Tainá.
Tainá de Paula faz ainda uma série de questionamentos a respeito das consequências da ação policial e da falta de atuação do Estado na melhoria das condições de vida das pessoas que vivem nas favelas e periferia do Rio de Janeiro.
“É urgente pensarmos em uma revisão no Plano de Política de Segurança Pública. E ficam as perguntas não respondidas: como essa ação vai diminuir o tráfico de drogas? Como essa ação vai melhorar a vida dos moradores do jacarezinho? Como essa ação vai viabilizar que políticas públicas básicas – obrigação do Estado – finalmente cheguem às favelas? Água, saneamento, educação … essa ação (estratégica) considerou esses pontos para acontecer? Até quando teremos esse pensamento raso, cruel e racista sobre as favelas e comunidades? Até quando teremos a polícia que mais mata e mais morre no mundo?”, indaga.
Violência de Estado
“As versões da polícia têm mudado de acordo com a pressão das investigações da OAB e demais entidades da sociedade civil democrática. A questão central não está no envolvimento ou não das pessoas mortas, mas no fato de que elas quiseram se render. Nem na guerra se executa quem se rende”, adverte a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ).
Para Tiago Santana, presidente do PT carioca, o fato de a Polícia Civil alterar o objetivo da mobilização em Jacarezinho só evidencia a fragilidade das fundamentações das operações que são realizadas em favelas e territórios mais pobres.
“Não é de hoje que a gente observa que essas operações não prezam pela perícia e por cuidados nas condições que a lei determina, tanto é que no episódio de Jacarezinho toda a cena do crime em si foi alterada, sem nenhuma justificativa, pois as vítimas já estavam sem vida, então não foi uma alteração para salvar aquelas vítimas. Quando essa alteração no relatório tira o que era a grande motivação para a operação: a condição do aliciamento de crianças e adolescentes pelo tráfico e tal o grau de vulnerabilidade dessas vítimas, o que talvez levaria a uma urgência para se fazer a operação, demonstra que não houve nada disso”, argumenta.
O presidente do PT Rio critica o uso da estrutura do Estado para promover a violência contra a população pobre carioca.
“Foi uma operação pensada de forma cruel para atingir uma comunidade, na qual o Estado tão pouco faz para gerar outras possibilidades e alternativas de vida. Ou seja, é usada toda uma estrutura estatal para levar terror e morte, mas não é usada da mesma forma para levar cultura, lazer, educação e emprego. É mais um fato que comprova que para as populações periféricas e de favelas do Rio não têm acesso ao direito legal”.
Da Redação