Da Redação, Agência Todas
Mais de 39 mil pedidos de auxílio emergencial, feitos por detentos ou familiares, estão bloqueados pelo DataPrev (empresa que faz o processamento para conceder o benefício). A medida do governo federal, feita sem previsão legal e por conta própria, expõe famílias carentes à maior vulnerabilidade social e econômica, principalmente àquelas lideradas por mulheres.
Mães, irmãs, namoradas, esposas ou companheiras constituem a maior parte do público que visitam os presídios semanalmente. Além do suporte emocional e afetivo, elas se tornam responsáveis pela sustentação do lar e dos filhos e também buscam garantir acesso do preso a insumos básicos como alimentação, material de higiene e, muitas vezes medicamentos. Essa constatação é parte do estudo “Pena compartilhada: das relações entre cárcere, família e direitos humanos”, publicado na Revista Eletrônica Direito e Sociedade.
Ainda que a constituição brasileira não permita a extensão da penalidade de uma pessoa aos seus parentes, o nosso sistema penitenciário construído a partir dos valores de uma sociedade racista, capitalista e patriarcal, empurra toda a rede de familiares, principalmente as mulheres mais próximas, a um cenário de marginalização, estigmatização e punição.
“As mulheres dos presos acabam sofrendo condenações multifacetadas — seja no constrangimento das revistas íntimas, no tratamento das repartições públicas, no preconceito da família, na violência do próprio companheiro — e ainda são penalizadas com acúmulo de responsabilidades: trabalho doméstico, cuidado do filho, sustentação econômica, acompanhamento do processo penal”, explica Anne Karolyne, secretária nacional de mulheres do PT.
De fato, essa sobrecarga reflete diretamente no quadro composto pelas mães, esposas, irmãs e companheiras que são próximas de detentos. Na pesquisa “Homens apenados e mulheres: estudo sobre mulheres de presos”, da Universidade do Vale do Rio Sinos, os autores realizaram um trabalho de campo e de escuta retratando a baixa escolaridade, a precária qualificação profissional, a moradia em regiões mais periféricas da cidade, o desgaste físico dessas mulheres e até à violência constante que são expostas todos os dias — tanto pelo tratamento do Estado quanto pelos próprios companheiros detentos.
O bloqueio do auxílio emergencial — que é destinado aos familiares do detento, não ao preso especificamente — reproduz uma lógica de extensão da culpabilização à família, proibida pela constituição. O quadro geral ainda se agrava quando se constata que a realidade dos familiares de apenados é composta, principalmente, por pessoas negras e pobres, com baixo nível de escolaridade, constantemente silenciadas pela sociedade e sem acesso a condições de conhecer os direitos garantidos pelo Estado. Se ser mulher no Brasil já implica a vivência de uma série de obstáculos e violências, ser mulher, pobre e familiar de preso beira a expressão máxima da vulnerabilidade psicológica e social, artigo publicado na Revista Eletrônica Direito e Sociedade.
Segundo o DataPrev, o benefício não foi bloqueado, apenas está retido para processamento adicional. A estatal ressalta que o trabalho da empresa consiste em dar o suporte tecnológico para o Ministério da Cidadania.
“O desbloqueio do auxílio emergencial é imprescindível para que o Estado não culpabilize a família e as crianças pelo possível erro que o preso tenha cometido. Proteger vidas é prioridade”, finaliza Anne.