O Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado nesta quarta-feira (5), traz importantes reflexões sobre como a humanidade está lidando com o aceleramento das mudanças climáticas, que têm afetado todo o globo, e colocado em xeque o atual sistema de consumo , já muito atrasado para frear o impacto das mudanças.
A partir do relatório da ONU Mulheres “Justiça climática feminista: um quadro de ação“, elaborado em 2023, fica evidente que a degradação ambiental e a desigualdade de gênero estão interligadas, colaborando diretamente para a crise climática, tornando mulheres e meninas as principais vítimas desse processo. A cada episódio de eventos extremos do clima, fica mais nítido que as crises climáticas acentuam casos de violência contra a mulher e a vulnerabilidade de gênero em escala mundial.
O documento afirma que a crise climática é a questão mais premente dos nossos tempos, ameaçando o progresso na igualdade de gênero e nos direitos humanos, além de dificultar a realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Mulheres em condições de maior vulnerabilidade socioeconômica tendem a contar com menos ferramentas e renda para enfrentar os impactos da mudança climática. Por exemplo, para mudar para uma residência em área menos suscetível a deslizamentos de terras ou a inundações, dadas as brechas de salário, empregos, acesso a bens e serviços públicos, representação e direitos.
O levantamento aponta os impactos negativos nas condições econômica, social e de segurança alimentar de meninas e mulheres em territórios atingidos. Por exemplo: até 2050, prevê o documento, a mudança climática empurrará mais de 158 milhões de mulheres e meninas para a pobreza e levará mais de 236 milhões de mulheres à fome.
Na avaliação da entidade internacional, as mulheres rurais e indígenas são aquelas que possuem o melhor entendimento do impacto da devastação dos recursos naturais na vida de suas comunidades e no planeta. As mulheres indígenas e defensoras da terra enfrentam maior exposição a ameaças, ataques, risco de perda de meios de subsistência e deslocamento. As evidências são incontestáveis: as mulheres são mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas do que os homens, pois dependem mais dos recursos naturais ameaçados por esse fenômeno.
“Devemos reconhecer o papel das mulheres, das ecofeministas e das organizações de mulheres na linha de frente da defesa de um meio ambiente saudável e sustentável, bem como no fortalecimento da coesão social e na construção da paz”, afirmou Cecília Alemany, diretora regional Adjunta da ONU Mulheres para as Américas e o Caribe.
O mesmo olhar também é comungado pela ONG inglesa Oxfam no relatório “Igualdade Climática: um Planeta para os 99%”. O documento afirma que “as pessoas que vivem na pobreza, que sofrem marginalização e os países do Sul Global, são os mais afetados. Mulheres e meninas, povos indígenas, comunidades tradicionais, pessoas que vivem na pobreza e outros grupos vítimas de discriminação e vulnerabilidade estão particularmente em desvantagem”. É notório, então, que a emergência climática é um tema transversal, pois afeta prioritariamente as mulheres, negras, indígenas, quilombolas e ribeirinhas.
Em 2019, o Dicionário de Oxford elegeu emergência climática como o termo do ano, o qual define uma situação em que ação urgente é necessária para reduzir ou cessar a mudança do clima e prevenir danos ambientais potencialmente irreversíveis a ela associados. A América Latina e o Caribe, embora gere menos de 10% das emissões globais de dióxido de carbono (CO2), é uma região altamente sensível aos efeitos das mudanças climáticas.
E, nesta região de já frágeis indicadores sociais e enorme desigualdade, o aumento das temperaturas afetará as populações mais vulneráveis de forma desproporcional, por meio da insegurança alimentar, aumento dos preços dos alimentos, perda de renda e meios de subsistência e impactos na saúde e finalmente pelo possível deslocamento populacional daqueles que perdem suas formas de vida pela crise climática.
Segundo o relatório da Cepal, os efeitos serão sentidos principalmente por aqueles que vivem da agricultura e das atividades costeiras, populações indígenas, crianças e idosos, pessoas que vivem na pobreza e países insulares. E, nestes grupos, as mulheres serão as mais impactadas. O aumento da frequência e da intensidade de eventos climáticos extremos (secas prolongadas, inundações, tempestades, deslizamentos de terra, picos de calor e de frio etc.), nesse contexto de profundas desigualdades estruturais, torna as mulheres mais expostas a adversidades que os homens.
Possíveis saídas
De acordo com a ONU Mulheres, há quatro princípios que, se seguidos, poderão colaborar na compreensão sobre quais são as barreiras para que a justiça climática seja alcançada, sob o aspecto de gênero. Há também orientações práticas sobre como governos, sociedade civil e grupos organizados podem agir para impulsionar a transformação necessária em todos os níveis e em todos os setores. São eles: Redistribuição, Reconhecimento, Reparação e Representação.
Redistribuição de
recursos longe do extrativismo, econômico prejudicial ao ambiente atividades voltadas para aqueles que priorizam cuidar das pessoas e do planeta;
terra, oportunidades de emprego e tecnologia para corrigir questões de gênero e desigualdades para garantir que as mulheres sejam beneficiadas das transições verdes;
financiamento público para apoio social e sensível à questão de gênero e a sistemas de proteção com incentivo à resiliência das mulheres.
Reconhecimento de:
formas múltiplas e que se cruzam de discriminação que afetam a resiliência de grupos historicamente marginalizados aos impactos climáticos;
trabalho não remunerado das mulheres para apoio social e ecológico reprodução;
métodos e práticas indígenas e ancestrais de formas experienciais de conhecimento para apoiar ação climática.
Reparação através de:
reconhecimento do histórico e continuado do impacto das emissões cumulativas;
financiamento climático global adequado, cancelamento e regulamentação de dívidas de grandes corporações;
mecanismos para abordar questões de gênero no âmbito econômico.
Representação de:
mulheres e outros grupos marginalizados na temática do meio ambiente frente a tomada de decisões em todos os níveis;
comunidades afetadas pelas mudanças de clima e perda de biodiversidade em elaboração de políticas climáticas;
os interesses das mulheres em condições robustas para formulação de mecanismos de responsabilização para buscar reparação por danos ambientais injustiça.
Tema é foco do GT de Mulheres do G20
Atento ao cenário, o governo do presidente Lula, que está na presidência do G20, instituiu o Grupo de Trabalho Empoderamento de Mulheres, liderado pela ministra das Mulheres, Cida Gonçalves. No GT, a justiça climática com enfoque de gênero tem sido uma das prioridades de debates.
No último encontro do grupo, motivado pelas enchentes que assolaram o estado do Rio Grande do Sul, o tema foi amplamente debatido. Na ocasião, a ministra reforçou que a degradação dos sistemas naturais do planeta tem efeito desproporcional sobre mulheres e meninas, exemplificando o contexto que ocorre no extremo sul do Brasil: “A justiça climática é uma urgência em todo o planeta e sabemos que as mulheres têm um papel central em sua construção. Somos as mais impactadas pelos desastres climáticos, ao mesmo tempo que somos protagonistas da preservação do meio ambiente.”
“A vulnerabilidade, as desigualdades e as diversas formas de violência que as mulheres sofrem no seu dia a dia acabam sendo ampliadas em situações como a que enfrentamos no sul do Brasil e nas diferentes crises climáticas que o planeta vem enfrentando”, pontuou a ministra.
Justiça climática sob a ótica de gênero
Na avaliação da ONU Mulheres, a visão para a justiça climática feminista é a de um mundo onde todos possam desfrutar de toda a gama de recursos humanos direitos, livre de discriminação, e prosperar em um planeta que seja saudável e sustentável. Para alcançar isso, as políticas econômicas e sociais terão de ser substancialmente transformadas, longe da busca de crescimento a qualquer custo e lucros para poucos.
Com base em décadas de economista feminista, pensamento ecológico e decolonial, esta transformação deve ser guiada por uma ética do cuidado que abraça a interdependência como a base da vida humana interação e interseccionalidade como princípio fundamental.
Segundo o MMulheres, “embora tenham uma participação reduzida nas conferências sobre o clima, estudos demonstram que as mulheres são as mais impactadas pela emergência climática, por serem maioria entre os grupos vulneráveis a eventos extremos do clima.”
É importante aumentar a participação das mulheres nas esferas de decisão relacionadas às ações que serão implementadas para combater à emergência climática, com políticas públicas que levem as questões de gênero e as suas interseccionalidades para pensar no âmbito econômico, nos impactos desiguais, nas ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas.
Da Redação Elas por Elas, com informações da ONU Mulheres