Partido dos Trabalhadores

Não entramos no PT, nós construímos o PT, diz Benedita da Silva

Em série sobre história do partido, deputada relembra como ajudou a construir a pluralidade na sigla desde o seu início

ASCOM

Benedita da Silva

Acostumada a fazer campanha para o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), a doméstica Benedita da Silva estranhou quando a chamaram para conversar e debater a formação de um novo partido dos trabalhadores que surgia ao fim da década de 1970.

“Era uma coisa nova para gente. Até então era só votar. Os caras chegavam lá, a gente fazia campanha na comunidade para eles, mas chamar para fazer conversa? Aí a gente viu que esse partido realmente fazia essa conversa”, relembra ela.

Mulher, negra, a trabalhadora doméstica – hoje deputada federal pelo Rio de Janeiro – já era uma liderança na comunidade de Chapeu Mangueira, na zona Sul do Rio. Seu movimento era utilizado pela esquerda do MDB no período eleitoral. Mas ela nunca havia sido chamada para uma discussão de formulação política, como ocorreu quando ela se aproximou do PT.

“Nos filiamos. E falamos, aqui vamos finalmente ter vez e voz, um operário que é presidente deste partido”, conta ela. “Aí fomos para São Paulo, conversamos, discutimos, e cada um ficou uma tarefa”.

“Nos filiamos. E falamos, aqui vamos finalmente ter vez e voz, um operário que é presidente deste partido”

“E no Rio de Janeiro o brizolismo muito forte. Aquela dívida com o Brizola fez com que nós fizéssemos um esforço maior de reunir todas as lideranças de favela para criação do PT nas favelas”.

Segundo ela, algumas pessoas já organizadas em outros partidos, como o MDB, resistiram ao novo partido, porque poderia significar uma cisão da esquerda.

Contato com Lula

Benedita conta que foi uma das 111 pessoas que assinaram um manifesto que criou a tendência Articulação (hoje, Construindo um Novo Brasil, a CNB). Lula liderava esta corrente, na qual o sindicalismo era a força mais forte. Mas o ex-presidente quis buscar incluir outros setores, segundo a deputada, como os movimentos de favela e da igreja. Benedita, além de pertencer ao movimento das favelas, também era do movimento de mulheres. “Nós juntamos essa mulherada – já tinha um departamento feminino – para botar para frente o PT”, diz ela.

“Aí as pessoas perguntavam: ‘Será que não poderíamos eleger uma liderança da comunidade?’ Eu disse que provavelmente sim, mas nem me esperava que eles fossem me escolher”, relembra. Anos mais tarde, em 1994, Benedita tornou-se a primeira senadora negra do Brasil.

Benedita, que era do departamento feminino da Associação de Favelas do Estado do Rio de Janeiro, conta que nessa época se aproximou muito do Lula. “Ele se mostrou muito acessível, mandou me chamar, eu fui na casa dele, ele falou da importância do PT para as comunidades”, conta. “Que a gente tivesse essa mesclagem do sindicalista, do trabalhador, da comunidade. A troca foi ótima e daí eu fiquei no PT de verdade”, diz.

“Nem considero que nós entramos no PT. Nós construímos o PT”.

Benedita foi trazendo para o PT todo o segmento da qual era oriunda.

“Não dava para eu querer convidar meus patrões para o PT. Meus patrões estavam em outra, tavam querendo me levar para outro partido”, relembra.

“Não dava para eu querer convidar meus patrões para o PT. Meus patrões estavam em outra, tavam querendo me levar para outro partido”, relembra.

“A gente lutava por saúde, esgoto, habitação. Enfrentamos o período da ditadura, foi muito difícil para nós. A chegada do PT foi uma porta que se abriu, vamos trabalhar isso, é a grande oportunidade que nós temos”, relembra.

Questão de gênero e raça

A deputada Benedita da Silva

Benedita foi uma das que ajudou a introduzir a questão de gênero, racial e também temas da favela no partido. Mas não foi fácil, conta. “Tivemos uma dificuldade muito grande, porque revelou-se que o mundo do trabalho era um mundo bem machista”.

“Tivemos uma dificuldade muito grande, porque revelou-se que o mundo do trabalho era um mundo bem machista”.

Além disso, os marxistas, trotskistas e leninistas não compreendiam a questão racial. “Achavam que era dividir os trabalhadores. Mas fomos nos organizando dentro do partido e conquistando o nosso espaço”, afirma. “Tivemos dificuldade na política de gênero considerando a questão da mulher negra e também das que não são carimbadas feministas mas que ajudaram a criar o PT”, comenta.

Em seu início, a questão sindical e a discussão capital e do trabalho,da relação patrão-empregado, predominavam. Aos poucos, outros debates foram introduzidos: onde morava esse trabalhador, que escola seus filhos estudavam, cotas para mulheres etc.

Benedita foi uma das que defendeu a cota para as mulheres no 1º Congresso do partido, em 1991, e depois, em 2011, as cotas raciais e a paridade de gênero. “O Congresso mais marcante foi quando defendemos a cota para mulheres”, lembra. “E sempre a disputa muito grande, a disputa de ideias. Essa pluralidade que tem das tendências, ela tem um papel e esse papel nos faz crescer no campo da disputa. Esse é o PT”, diz.

Fé e política

Segundo Benedita, o partido tinha uma relação muito forte com as igrejas. “Tivemos uma química muito boa na criação do PT. Foi pegando pessoal da pastoral, da igreja católica, fazendo reunião com pessoal evangélico, fazendo essa conversa com a intelectualidade das igrejas evangélicas e católicas”, conta.

6º Congresso

“O congresso é um momento em que a gente reúne essas forças, essas contribuições, esses ideais e transforma em um só, o que é o fortalecimento do partido”, diz.

Para Benedita, esse congresso será um grande desafio para o PT, que tem que resgatar sua credibilidade.

“Primeiro a gente tem que levantar o nome do PT, se em 2018 a gente pretende disputar eleições para presidente”, diz. “A gente sabe que esse partido existe, mas tem passado por um momento extremamente difícil, e nós continuamos nele, porque esse partido somos nós”, afirma. “Não é uma sigla pura e simplesmente. São pessoas. E isso dá uma importância muito grande a esse Congresso.”

“Não é uma sigla pura e simplesmente. São pessoas. E isso dá uma importância muito grande a esse Congresso.”

Enfrentamento e legado

Para Benedita, até os adversários do PT já se deram conta da força do partido que, mesmo após ataque intenso, continua vivo. “Se não fosse um partido forte, ele já teria acabado”, diz.
O ataque feito ao PT, do mensalão ao impeachment da Dilma, levou a uma política de ódio e a uma direita fortalecida, segundo ela. “Fazendo o debate, vamos mostrar que cometemos erros, mas muito mais acertos, e que o nós dissemos é verdadeiro: de que tivemos um golpe institucional”, afirma.

Para ela, os desafios agora são maiores. “Porque constatamos não só o Congresso que nós temos, mas também o Supremo. E que os poderes não são tão independentes assim quando se trata de PT”. afirma.

A deputada afirma que o PT tem que mostrar o que fez: Minha Casa, Minha Vida, Bolsa Família. “Tudo o que o Lula fez. Não só para as favelas do Rio, mas para a pobreza brasileira, os miseráveis, que agora enfrentam um retrocesso nas políticas de proteção a esses segmentos”.

E, para a deputada, é impossível vencer sem alianças. Mas elas devem ser feitas sobretudo com os movimentos sociais e aqueles movimentos de resistência que tem sustentado o partido.

“Como disse o Lula, para que a gente possa levantar a cabeça, continuar tendo orgulho do nosso partido, da nossa estrela no peito e ir à luta”, resumiu.

Por Clara Roman, da Agência PT de Notícias