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“Não existe Amazônia sem a coexistência do Cerrado”, diz especialista

Encontro promovido pela Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento do PT e Fundação Perseu Abramo discutiu alternativas de desenvolvimento com sustentabilidade desse importante bioma brasileiro

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“Não existe Amazônia sem a coexistência do Cerrado”, diz especialista em debate promovido pelo PT e FPA

A degradação e a supressão do Cerrado brasileiro pelo atual modelo do agronegócio, estimulado por Bolsonaro, e as alternativas de desenvolvimento com sustentabilidade nesse importante bioma brasileiro foram os temas que abriram o último debate da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento do PT e Fundação Perseu Abramo (FPA).

Yuri Botelho Salmona, diretor executivo do Instituto Cerrados, geógrafo, especialista em Análise espacial ambiental, salientou que o Cerrado tem sido subestimado e esquecido no debate sobre meio ambiente e desenvolvimento e que não se pode falar de Amazônia sem falar de Cerrado.

“Não existe Amazônia sem a coexistência do Cerrado, inclusive pelos recursos hídricos e pelo equilíbrio e trocas entre esses dois biomas A extinção ou degradação de um já está levando à destruição do outro. Depois de consumida a Mata Atlântica, o Cerrado passou a ser o principal espaço geográfico de implantação de um modelo extrativista devastador, com sérias consequências para a qualidade de vida das populações locais, para a Saúde dessas pessoas e para a manutenção do ciclo hídrico no país inteiro”.

O geógrafo explica que, hoje, ¼ do país é de Cerrado, e 50% dessa área já foi desmatada. Dessa parte desmatada, 98% foi pela agropecuária. Seria possível ter determinadas áreas do Cerrado para pastagens, mas o modelo atual não pensa em reaproveitar o que foi desmatado e utilizado, apenas objetivo desmatar novas áreas. Temos agora 33 milhões de pastagens degradadas, com áreas devastadas sem um uso racional, sem aprimorar o uso das áreas atingidas e evitar novas devastações.

A área de desmatamento em 2021 no Cerrado foi igual à da Amazônia, mas a área total da Amazônia é o dobro do Cerrado, logo proporcionalmente a destruição no Cerrado é duas vezes maior que na Amazônia. Yuri lembrou que 98% do desmatamento no país é ilegal e que não se pode tratar como negócio essas ocupações, mas como crime, e deve-se fazer valer a legislação ambiental.

Como pesquisador do bioma Cerrado, Salmona explica que o Cerrado é a savana mais biodiversa do mundo e deve ser a mais rica em sociobiodiversidade do mundo.

“Desde 1500 temos apenas trocado a commodity hegemônica, mas o modelo de colônia de exploração, manutenção da pobreza e manutenção da colônia se mantém até hoje, entretanto passamos por uma crise energética e hídrica devido a esse mesmo modelo, especialmente na bacia do Paraná Cerca de 80% da água do país é utilizada para a agropecuária, mas o Cerrado, a caixa dágua do país, se fragiliza pela ocupação e pela irrigação”.

Binômio Cerrado-Amazônia

A coordenadora Executiva Nacional Interestadual das Quebradeiras de Côco Babaçu e Diretora da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras rurais, Agricultores e Agricultoras Rurais do Tocantins, Maria do Socorro, que é grande liderança popular desse movimento de defesa do Cerrado, concorda com a visão do binômio Cerrado-Amazônia.

“Ela está numa área que é os dois, no Bico do Papagaio no Tocantins. Os dois se complementam: sem Amazônia não tem chuva, sem chuva não tem água e os rios e reservas do Cerrado acabam e deixam de fornecer os recursos hídricos. Por outro lado, o “corredor de desenvolvimento sustentável do Eucalipto não segura água, nem bicho, nem pessoas. E defendemos o Cerrado pois lá se conseguem os remédios, gratuitos, a farmácia popular, que é derrubado pelo grande investimento ‘sustentável”.

Conforme Maria do Socorro, a devastação está nos rios, nas florestas e no dia a dia dos direitos. Ao mesmo tempo em que há devastação, há expulsão das populações, a migração forçada das comunidades tradicionais (indígenas, quilombolas, quebradeiras, principalmente as mulheres)”.

A liderança feminina nesse movimento de luta pela sobrevivência e dignidade é muito marcante, pois segundo Maria “quando o filho fica com fome, ele puxa na saia da mãe, há ameaças e assassinatos. No Maranhão houve fazendeiro que passou com trator por cima de uma agricultora e de seu filho. As populações tradicionais vêm sendo dizimadas”.

A líder da quebradeiras de coco Babaçu explicou que “há com o produzir de forma mais justa para as populações locais e respeitando o equilíbrio ambiental.

“Há muitas coisas boas para produzir, como pequi, açaí, caju, babaçu (mãe palmeira-leite e óleo). Mas essas produções ficam ameaçadas porque a água está acabando. Não existe vida sem água. A água será motivo de guerra, pois outros países estão comprando reservas e territórios, especialmente no Brasil.”

Preservação da produção da floresta

Na opinião dos dois especialistas, o melhor jeito do governo gerar emprego nas cidades é preservar a produção da floresta, a produção da agricultura familiar e os extrativistas.

“O que as pessoas nas florestas querem não é salário ou emprego, mas a preservação do meio ambiente, de onde eles podem tirar seu sustento e produzir para fora, agregando valor, desde que com o apoio técnico e financeiro do Estado. A Agroecologia é a solução, com assistência técnica, com produção de alimentos saudáveis e a preservando a floresta. E se as florestas forem restauradas, o carbono será retido no solo, sem liberar para a atmosfera”.

Como Maria do Socorro declarou, “as águas foram mexidas, as florestas não estão lá para segurar não há raízes para segurar a terra. Devora o meio ambiente por que quer, mas a desgraça está em andamento. Nós que somos ambientalistas sempre falamos que a devastação era sucedida pela miséria. A preservação do meio ambiente tem como consequência a geração de emprego. Se cuidarmos da produção tradicional e da preservação das nascentes e rios, teremos uma alternativa para a saúde das pessoas, pois a água de açude vem sendo envenenada pelos agrotóxicos.”

“Área desmatada é do tamanho do Chile”

Yuri Salmona complementou o raciocínio, dizendo que “no Cerrado, a área desmatada é do tamanho do Chile, mas há uma área gigantesca de pastagens que poderiam ser melhor utilizadas: e desmatar mais significa intensificar a emergência climática, intensifica o período de secas. Há a diminuição da chuva no Cerrado e sua concentração em períodos curtos. Desmatar mais significa inviabilizar a própria agricultura, do grande e do pequeno produtor e das populações tradicionais. A intensificação do desmatamento significa matar e engolir a própria agropecuária dominante.

“O Cerrado em pé é uma riqueza em si. Uma grande biblioteca e conhecimento gigantesco que não começamos a ler. Há um déficit de pesquisa no Brasil”.

Ele recorda que cosméticos são produzidos no exterior depois de exportarmos os produtos locais em forma de commodities, e que se houvesse o mesmo grau de investimento para pacotes tecnológicos para os produtos florestais não madeireiros do Cerrado, poderíamos ter uma renda maior e mais distribuída do que com o modelo atual. Já há toda essa estrutura voltada a essa produção.

O geógrafo concorda em “dar valor aos conhecimentos tradicionais; pois é a agricultura familiar que alimenta o país, segundo o censo agropecuário do IBGE. E a agricultura familiar gerar mais empregos, mas apenas 20% do plano safra vai para a agricultura familiar, numa política contraditória com a produção para mercado interno. E a lei Kandir estimula que o produtor não manufature os produtos, com exportação de matérias primas para não pagar impostos.

“Com o valor que o Brasil deixou de coletar da agropecuária por conta da Lei Kandir seria possível pagar todo o déficit da previdência. Temos um grande patrimônio dos conhecimentos dos povos tradicionais e da acadêmica; uma estrutura financeira que não agrega riqueza e renda. Poderia existir investimento maior nesse patrimônio da sociobiodiversidade e grande parte da área degradada poderia ser restaurada ou melhor usada para voltar a prestar o serviço ecológico, com a restauração do Cerrado com uma mistura de sementes”.

Rede de proteção

O mediador do debate, secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento do PT, Penildon Filho, pediu que ambos falassem da Rede de Proteção ao Cerrado, da qual ambos fazem parte, como instrumento de mobilização social, defesa de direitos e articulação de saberes.

Maria descreveu que a Rede Cerrado é composta por 54 entidades, entidades indígenas, agricultores familiares, jeraizeiros, catingueiros, quebradoras de coco.

Para finalizar, Penildon perguntou qual a opinião dos representantes da Rede sobre o relatório do IPCC divulgado dia 4 de abril, com grande repercussão mundial.

Sobre esse último relatório do IPCC, Yuri explicou que “o aumento de 1,5º na média global de temperatura não vem sozinho, vem acompanhado de eventos extremos.

“Todos seremos muito impactados, especialmente para a agricultura, que precisa de previsibilidade climática. 1,5º é o suficiente para bagunçar o clima, com chuvas mais intensas em períodos mais cursos, que não duram o tempo suficiente para reabastecer os aquíferos, sem a quantidade de água suficiente do período chuvoso, e o preço dos alimentos aumentará e haverá mais fome ainda”.

Ele explicou que não se trata apenas de um aumento de 1,5º, mas dessas consequências que já estamos vivendo, e o Cerrado é central nessa história. O desmatamento do Cerrado tem repercussão maior do que se vislumbra, por conta da vegetação que morre abaixo no solo. O desmatamento do Cerrado emite mais CO2 do que toda a indústria brasileira; há um estoque de carbono no Cerrado. O INPE é essencial para monitorar o desmatamento, mas ontem foi anunciado que esse instituto terá apenas recursos para funcionar por 2 meses”. Trata-se realmente de uma política delirada de destruição.

O Cerrado tem apenas 20% de sua área protegida, mas a destruição de 80% de sua cobertura inviabilizará a Amazônia e as regiões centrais do Brasil, é importante que todos entendam o Cerrado, os povos tradicionais, o agroextrativismo e os conhecimentos da região. Na atual quadra histórica, os representantes da Rede de Proteção ao cerrado indicam que as mudanças climáticas serão muito mais devastadoras que a pandemia do Covid 19.

Da Redação