A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) e a Câmara de Controle Externo da Atividade Policial e de Sistema Prisional (7CCR), ambos do Ministério Público Federal (MPF), avaliam que o Projeto de Lei (PL) 6.125, proposto pelo governo, vai criar “um regime de impunidade para crimes praticados por militares ou policiais em atividades de Garantia da Lei da Ordem (GLO)”. O projeto estabelece um amplo e quase irrestrito excludente de ilicitude em ações policiais e das Forças Armadas em que pessoas sejam mortas. Na prática, uma licença para matar.
A PFDC e a 7CCR encaminharam ontem (26) uma nota técnica aos parlamentares que vão analisar o texto afirmando que as propostas do PL são “flagrantemente inconstitucionais e sem paralelo – até mesmo se comparada aos atos institucionais da ditadura militar”, que só pode ser comparada a uma verdadeira licença para matar, como têm criticado os defensores de direitos humanos. “Há uma autorização implícita, mas efetiva, para que as forças de repressão possam, sob o manto de uma operação de GLO, fazer uso abusivo e arbitrário da violência, com grave risco de adoção de medidas típicas de um regime de exceção, incompatíveis com os padrões democráticos brasileiros e do direito internacional.”
Para os dois órgãos do MPF, o objetivo do projeto é garantir aos agentes do Estado um regime jurídico privilegiado, em que não possam ser punidos. “Trata-se de instituir um permanente espaço de exoneração de responsabilidade das forças estatais de segurança pública. E isso quando o país experimenta as mais aviltantes taxas de letalidade policial, com um aumento de 4% apenas no 1º semestre de 2019, especialmente no estado do Rio de Janeiro, no qual se superará em 2019 o recorde de mortes provocadas por confrontos com a polícia. E mesmo após essa letalidade ter aumentado 19,6 % de 2017 para 2018, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública”, defendem os procuradores.
Os dois órgãos ressaltam que as excludentes de ilicitude já são previstas na legislação penal para evitar a punição de determinadas condutas tipificadas como crimes, mas que são praticadas em circunstâncias de extrema necessidade e com clara ação de legítima defesa. Mas o texto deixa claro o propósito de garantir impunidade específica aos agentes públicos, pela redação dos artigos 3º e 4º – o que configura uma licença para matar. O primeiro prevê que, mesmo quando houver excesso doloso do agente na legítima defesa, o juiz poderá atenuar a pena. Já o artigo 4º, por sua vez, veda a prisão em flagrante de militares e policiais quando se aponte o exercício de legítima defesa.
“De destacar que esses dois artigos não têm incidência limitada às situações de GLO, mas sim para qualquer hipótese de alegação de legítima defesa. Eles são amplos e pretendem garantir que militares e policiais, em regra, não serão presos em flagrante quando alegarem que agiram em legítima defesa e, ainda, que suas penas por eventual excesso doloso poderão ser atenuadas pelo juiz”, argumentam os procuradores.