Parece que foi ontem. Em 2013 fomos surpreendidos com uma sequência de manifestações como há muito tempo não víamos. Em São Paulo, tendo à frente o Movimento Passe Livre, grandes mobilizações tomaram as ruas e praças contra o aumento das tarifas no transporte público. Rapidamente se estendeu por outras capitais e, pelo inusitado da época, ocupou generosos espaços nos meios de comunicação.
Estas manifestações que começaram com foco específico – não ao aumento da tarifa e transporte público de qualidade – rapidamente tomaram dimensão mais ampla, porém de maneira difusa, numa espécie de contra tudo e contra todos. Uma resposta à reação de boa parte dos governantes, que receberam os manifestantes com repressão, violência gratuita e prisões injustificadas. Em especial da parte do governo Alckmin, ficaram as marcas do autoritarismo e falta de diálogo, que resultaram em expressiva revolta na sociedade.
E 2013, por assim dizer, marca o início de um espantoso processo de radicalização das manifestações e mesmo de comportamento, que se estendeu à sociedade como um todo. O ano seguinte agudizou ainda mais esse fenômeno. O “não vai ter Copa” e, simultaneamente, o início do período eleitoral marcaram 2014. Tomam forma e conteúdo, então, as mazelas da intolerância. Ouso dizer que, a partir de então, cai por terra o mito da “cordialidade brasileira”, na definição teórica do saudoso Sérgio Buarque de Hollanda.
Apesar de mundialmente reconhecida como muito bem organizada, da Copa de 2014 ficaram para nós a vergonha do 7 a 1 e a frustração do hexa que não veio. Sobre as eleições, o grau de acirramento na disputa eleitoral levou a consequências que vivemos ainda hoje. E olha que “venderam” a ideia de que bastava cassar o mandato de Dilma para que tudo voltasse à normalidade política, econômica e social. Não voltou e, tudo indica, vai demorar a voltar.
Disputas políticas, debates de ideias, liberdade de expressão, atos públicos de protestos e reivindicações são manifestações próprias de democracias saudáveis e consolidadas. Mas os caminhos tomados, os métodos adotados vêm assustando em razão de sua crescente conotação fascista. Grassa em nosso meio, infelizmente, a violência, o preconceito, a perseguição, a intolerância. É a triste realidade: o espectro do fascismo ronda por aqui sob o olhar complacente das autoridades e, em alguns casos, sob seu próprio patrocínio.
Cresce a cada ano a violência no campo contra camponeses e populações tradicionais, como índios e quilombolas. E nos centros urbanos não é diferente. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil registra a segunda maior taxa de mortalidade por agressão do mundo atrás, apenas, da Colômbia, país mergulhado numa guerra civil há mais de três decadas.
Em 2016 houve 61 assassinatos no campo. Este ano já são 37 casos. Na cidade, estudos do Instituto Sangari e do Fórum Brasileiro de Segurança, revelam: no Brasil o número de vítimas fatais por conta da violência supera as mortes de países em guerra, como Iraque, Siria e Afeganistão
É fato notório que a turbulência política desses últimos três anos tem levado nosso País a uma situação de completo desarranjo político, social e econômico. Sobretudo porque quem perdeu a eleição, em 2014, não aceitou a derrota e partiu para o vale-tudo em busca do “quanto pior, melhor”. Com isso, também têm sido violentados o estado de direito, as garantias civis, a democracia como valor fundamental e o respeito à Constituição.
Também nesse período, ao lado da retomada da “voz rouca das ruas”, como dizia aquele ex-presidente também cassado, a operação Lava Jato. E a política entra em xeque de vez. O que, no início, esteve restrito a praticamente um só partido, hoje políticos em geral tornaram-se a “Geni” na sociedade. A exemplo de Donald Trump, nos EUA, uma suposta antipolítica ocupa espaço e vai assumindo contornos estranhos à democracia
Os valores e pressupostos da nossa Constituição estão sendo pisoteados e dilapidados, em nome de supostas mudanças, sem que a população seja consultada e tenha condição de expressar sua opinião e o que quer em torno de temas como reformas e, principalmente, o modelo de sociedade. Se de maneira plural e democrática ou estreita e intolerante com as diversidades.
É preciso, urgente, retomar a normalidade democrática e adotar ações efetivas para coibir e punir atos de violência de qualquer natureza. E isso passa, necessariamente, pela legitimidade e respeito ao voto popular, às instituições e à sociedade civil.
Nilto Tatto é deputado federal (PT-SP) e presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável