Mais uma vez, ao invés de procurar fazer uma análise aprofundada e apresentar propostas concretas para a melhoria da qualidade da educação brasileira, o governo Bolsonaro prefere justificar a tragédia que está em curso na educação com respostas evasivas e uma guerra ideológica obscurantista. O atual ministro ataca o PT, que está há quase quatro anos fora do governo, de forma ainda mais descabida agride Paulo Freire e, mais uma vez, não propõe absolutamente nada para a melhoria da educação.
O atual governo precisa compreender que a educação exige gestão, uma equipe qualificada e que as ações do MEC devem ser concebidas como uma política de Estado, em que a estabilidade e a continuidade assegurem resultados.
Os governos do PT patrocinaram uma extraordinária inclusão educacional. Em 2002, 36,9% da população tinham concluído o ensino fundamental, em 2015, atingimos 54,45%, o que reforça que ainda temos um imenso desafio na inclusão escolar. Entre os 5% mais pobres, apenas 6,8% tinham o ensino fundamental, em 2015, eram 30,3%.
Entre os jovens de 4 aos 17 anos, praticamente universalizamos o acesso, com 98,2% das crianças e jovens matriculados nas escolas. No ensino médio, tivemos um crescimento de 120% das matrículas, entre 1990 e 2014. Mas o desafio do acesso permanece. Tínhamos, em 2002, 42% dos jovens entre 15 e 17 anos matriculados nessa etapa. Em 2014, atingimos 61,02%, que estão na idade certa, nessa etapa escolar. Hoje, temos 8,1 milhões de estudantes matriculados, mas 1,6 milhões ainda estão fora da escola.
Quanto à qualidade, tínhamos, desde 1990, um indicador, que era o Saeb, uma avaliação amostral. Em 2007, foi implantado o Ideb, que avalia proficiência e fluxo escolar de forma censitária. O Ideb demonstra que os anos iniciais do ensino fundamental têm tido uma evolução acima da meta esperada, os anos finais um desempenho muito próximo e o ensino médio permanece com uma importante defasagem.
Desenvolvemos a Base Nacional Comum Curricular, com ampla consulta democrática, para dialogar com a diversidade de interesses dos estudantes, aprimorar a gestão pedagógica, a formação de professores e a produção de material didático no ensino médio. Esse processo foi interrompido depois do golpe que afastou a presidenta Dilma. Medidas autoritárias, como a MP que tentou acabar com as disciplinas de artes, esportes, filosofia e sociologia, sem nenhum diálogo, geraram uma forte reação e deflagraram um processo de conflitos e instabilidade.
Desde então, nada do que foi prometido foi implementado. O governo atual não tomou uma única providência para apoiar os governos estaduais e melhorar a qualidade do ensino médio. O atual governo reduziu ou paralisou programas de formação de professores e não apresentou uma única alternativa, neste que é o maior desafio da indução à qualidade.
As escolas cívico-militares, propostas pelo governo Bolsonaro, pretendem atingir apenas 0,15% da rede. A qualidade da educação não está na militarização, mas na valorização e formação dos professores, aprimoramento curricular e pedagógico, ações em que o atual governo continua sendo um completo fracasso.
O Pisa não é o Enem. É um exame realizado em uma pequena amostra, sem nenhuma devolutiva para os estudantes participantes, seus professores ou suas escolas. Diferente de um exame como o Enem, que é um caminho de oportunidades para os estudantes chegarem ao ensino superior. Mas, é um indicador que deve ser considerado, dentro dessas limitações.
No Pisa 2015, último realizado nos governos do PT, a fotografia era ruim, mas o filme era promissor. Fomos o país que mais evoluiu em matemática, entre todos os participantes. Ainda no Pisa de 2015, os Institutos da Rede Federal tiveram um extraordinário desempenho. Ficaram em 2º lugar em leitura, 11º em ciências e 30º em matemática, entre os 70 países mais ricos do planeta. Ficaram na elite da educação mundial e se fossem um país estariam em primeiro lugar na América Latina.
O desafio da qualidade permanecia, em uma rede que 84% é responsabilidade dos governos estaduais, com resultados muito diferenciados, tanto no Pisa quanto no Ideb. Mas, de uma forma geral, o país investe cerca de 1/3 no ensino básico, quando comparado à média dos países membros da OCDE. É evidente, que a rede de ensino médio dos estados precisa de mais recursos orçamentários no Fundeb e políticas públicas indutoras, especialmente a valorização e formação dos professores. Aliás, sobre o Fundeb, é desastrosa a completa omissão do MEC na renovação do fundo. Sem o Fundeb, cerca de 3 mil municípios perderiam a capacidade de pagamento dos salários de seus professores. O MEC, depois de mais de um ano de discussões, não apresentou uma proposta sequer e o governo segue obstruindo a votação do Fundeb.
Precisamos lembrar o atual ministro que, nos governos do PT, aumentamos a jornada escolar obrigatória que era de 6 aos 17 anos, para iniciar aos 4 anos de idade. Aumentamos as matrículas na faixa etária de 0 a 3 anos de 19,2%, em 2004, para 31,9%, em 2016. Implantamos a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), em 2012, que era censitária para permitir o acompanhamento de cada criança, que o atual governo transformou em amostral.
A atual gestão desarticulou o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, focado na formação complementar dos cerca de 300 mil alfabetizadoras e alfabetizadores, pelo chamado “Plano Nacional de Alfabetização”, que não tem ações concretas. Esse “Plano” agride a pluralidade pedagógica, apenas tenta impor o método fonético de alfabetização e culminou na demissão da equipe responsável pela total inoperância. Querem agora implantar o voucher e abrir o caminho para setores empresariais, que estão ávidos pela privatização dos recursos destinados à educação pública.
No ensino superior, com a ampliação da rede de Universidades e Institutos Federais, com o Enem, o Prouni e a Lei de Cotas, promovemos um imenso estímulo aos estudantes das escolas públicas, negros e negras, que já respondem por mais da metade das vagas nas universidades públicas.
Por fim, são inaceitáveis os ataques obscurantistas e descabidos do atual ministro ao patrono da educação brasileira, Paulo Freire. Conheci Paulo Freire quando ele voltou do exílio, no final dos anos 70, e dávamos aula na PUC/SP. Um intelectual brilhante, denso, criativo, inovador e uma pessoa delicada, respeitosa, que sempre tinha algo a ensinar, em cada frase, em todos os gestos.
Além de ser o segundo brasileiro com maior número de títulos de doutor honoris causa em todo mundo, Paulo Freire é um homem que dedicou sua vida à educação e deu uma contribuição inestimável para o país, a partir da construção de uma pedagogia libertadora, especialmente para alfabetização de adultos. Ele passou parte importante de sua vida dedicado a superar a perversa herança histórica do analfabetismo adulto. É só lembrar que em 1920, 75% da população brasileira era analfabeta.
Em vida, Paulo Freire foi perseguido pela ditadura militar, que o exilou e o perseguiu. Agora, já morto, tem sua memória e obra afrontadas por um governo, que agride recorrentemente o Estado democrático de direito e que flerta cotidianamente com a ditadura e com o AI-5, envergonhando o Brasil em todo mundo com sua visão obscurantista e autoritária. O Brasil tem ainda um imenso desafio na melhoria da qualidade da educação, mas o comportamento do atual governo em nada está contribuindo para essa imensa e inadiável tarefa.
Aloizio Mercadante é ex-ministro da Educação.