Sem qualquer tipo de diálogo com a sociedade civil organizada, tampouco com os movimentos sociais, tramita no Senado, e em breve na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 112/2021, que institui o novo Código Eleitoral. As alterações propostas afetam diretamente a política de cotas para mulheres. Em entrevista à Agência Senado, o relator da matéria, Marcelo Castro (MDB-PI), afirmou que a Casa Alta deve votar até junho o novo texto.
Em um esforço de chamar a atenção dos parlamentares, 117 movimentos sociais assinaram a Nota sobre Novo Código Eleitoral: Menos mulheres na política? Plataforma dos Movimentos Sociais por Outro Sistema Político Organizações Parceiras. O documento traz uma série de apontamentos críticos sobre a ameaça que o Novo Código representa para as mulheres.
De acordo com a nova redação do PLP, sugere-se em lugar da obrigatoriedade de 30% e 70% de candidaturas para mulheres e homens, respectivamente, a reserva de 30%. A substituição de ‘obrigatoriedade’ para ‘reserva’ é um grave problema, pois, desta forma, os partidos poderão, caso não preencham as vagas, mantê-las vazias, enfraquecendo diretamente os esforços para haver maior representatividade feminina na política.
Segundo o parágrafo 4º do artigo 189, a extrapolação do número de candidatos ou a inobservância dos limites máximo e mínimo de candidaturas por sexo é causa suficiente para o indeferimento do pedido de registro do partido político, se este, devidamente intimado, não proceder à regularização.
“A importância da cota partidária foi uma grande conquista no âmbito do Direito de gênero no Brasil, um marco em nossa história política, que se reflete em um crescente número de mulheres nos espaços de poder. A possível mudança no Código Eleitoral é o esvaziamento do sentido da norma. Se não há penalidade ao cumprimento da norma, ela perde o sentido da existência. Não podemos tolerar tamanho retrocesso que facilite a fraude à cota de gênero”, avalia Juliana Valente, advogada criminalista, especialista em Direitos Humanos e no atendimento a meninas e mulheres em situação de violência.
Outra alteração é a substituição do termo ‘gênero’ por ‘sexo’. A nova adoção, de acordo com a Transparência Eleitoral, “vai de encontro ao entendimento firmado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na resposta à Consulta 0604054-58.2017.6.00.0000, sobre a necessidade de se respeitar a inclusão, a diversidade, o pluralismo, a subjetividade e a individualidade das pessoas. A aprovação do texto na forma em que ele se encontra pode não atender à diversidade de gênero com seus marcadores sociais, violando valores e garantias constitucionais.”
Sobre este tema, a Nota dos Movimentos Sociais comenta: “Nos indignamos com o fato lastimável de que o Congresso Nacional se submeta a interpretação fundamentalista e cientificamente equivocada ao ignorar o conceito de gênero, utilizando-se da palavra “sexo”, adotada como termo em todo o texto, para legislar sobre tema tão caro à democracia brasileira. O conceito de gênero é amplamente utilizado na literatura sobre desigualdades entre homens e mulheres, sendo inclusivo também no combate às violações de direitos humanos da população LGBTIAQP+, e está presente nos mais importantes tratados internacionais e standards de gestão de políticas públicas, a exemplo dos Orçamentos Sensíveis a Gênero, da ONU Mulheres (2013).”
Além disso, há outra problemática identificada. Trata-se do art. 181. O texto diz: “Durante a convenção partidária, os dirigentes podem apresentar planejamento específico sobre as ações institucionais de apoio financeiro e político às mulheres selecionadas como candidatas”.
“A emenda n° 10 tentou alterar a redação para o termo “devem”, o que foi rejeitado pelo Senador Relator. Isso significa que fica a cargo dos partidos definir sobre o apoio financeiro, retirando a obrigatoriedade, legalizando uma prática recorrente dos partidos de não repassar os recursos do Fundo Partidário e Fundo Eleitoral às mulheres, o que se materializa nas posteriores Propostas de Emendas Constitucionais (PEC) visando anistiar os partidos quando descumprem a norma. Foi o que ocorreu recentemente com a apresentação da PEC 9/23, que gerou indignação da sociedade de modo geral que entendeu que a aprovação de tal proposta seria uma afronta aos poucos avanços no sentido de maior representatividade feminina nas casas legislativas”, aponta a Nota.
Da Redação Elas por Elas, com informações da Agência Senado e Plataforma pela Reforma do Sistema Político