Depois do sopro de energia injetada pela reconciliação com o presidente Jair Bolsonaro, que o reafirmou como autoridade máxima da Economia em 27 de abril, o ministro Paulo Guedes volta a perder terreno para os fatos e os números, que esta semana têm sido cruéis com sua política. À enxurrada de más notícias de terça, 5, seguiu-se o estudo divulgado nesta quarta, 6, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que aponta o crescimento da desigualdade no país após a pandemia do coronavírus.
O Índice Gini, principal termômetro da desigualdade social, que em 2018 havia atingido o maior patamar da série histórica do instituto, iniciada em 2012, caiu dois pontos no ano passado. O índice ficou em 0,543 em 2019, ante 0,545 no ano anterior. O que poderia ser uma boa notícia, no entanto, vem acompanhada pela projeção do próprio IBGE de que a pandemia de coronavírus deve reverter essa trajetória e levar muitos brasileiros de volta à pobreza em 2020.
Neste ano já comprometido pela pandemia de coronavírus, os primeiros sinais surgiram na pesquisa Pnad Contínua de março, quando a taxa de desemprego alcançou 12,2%. “Temos milhões de postos de trabalho sendo destruídos pela pandemia e precisamos de uma resposta rápida”, afirmou a jornalistas o diretor do IBGE, Cimar Azeredo Pereira.
Outros dados, compilados pela Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade, constam de estudo preparado por técnicos da equipe de Guedes para a estratégia de retomada baseada em investimentos privados em infraestrutura.
Economia pós-pandemia
A partir de vendas fechadas de meados de março a 21 de abril, eles observaram que o congelamento das atividades por conta da pandemia fez recuar o faturamento de 39 de 41 setores econômicos. O levantamento visto pela agência Reuters aponta “certo consenso” quanto ao fato de que a recuperação da economia não será em “V”, como acredita Guedes, e dificilmente voltará ao patamar anterior à crise no curto prazo.
“As ações econômicas tomadas pelo governo federal visam garantir a subsistência das famílias mais pobres e manter as relações empresariais e trabalhistas ativas enquanto a interrupção das atividades impede a geração de renda”, dizem no estudo. “Entretanto, é esperado que o retorno dessas atividades não possa ocorrer em sua plenitude, em virtude das medidas de contenção da transmissão do vírus que poderão perdurar”.
Cada vez mais vultosos, os números refletem os desafios para a economia em 2020 diante da interrupção sem precedentes na demanda por bens e serviços. Se, oficialmente, a expectativa para o Produto Interno Bruto (PIB) ainda é de alta de 0,02% no ano, os próprios integrantes do time econômico reconhecem que o número irá para o terreno negativo em revisão que será publicada ainda neste mês.
O próprio secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, traçando um cenário pós-pandemia em videoconferência com o mercado financeiro na terça, 5, admitiu que o país terá aumento da pobreza, do desemprego e do número de falências de empresas. Embora mantivesse a defesa da agenda “pró-mercado”, argumentou que o país deve aumentar sua rede de proteção social. “Vamos precisar de políticas de emprego mais adequadas. Sendo bem transparente, o desemprego vai dar um salto no Brasil, infelizmente”, afirmou para os rentistas.
Queima do patrimônio público
Na quarta-feira (6), Guedes e o secretário de Desestatização e Privatização, Salim Mattar, se reuniram com Bolsonaro e os ministros da ala militar para tentar convencê-los de que será preciso acelerar um plano de R$ 150 bilhões em privatizações e venda de participações da União, que os dois consideram um dos pilares para a retomada econômica na fase pós-pandemia.
A meta inclui a privatização de 20 estatais consideradas “prontas para a venda”, além de desinvestimentos pelo BNDES, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e Petrobras. A ideia do encontro foi reforçar a necessidade de se deixarem os processos prontos para que as estatais sejam rapidamente vendidas assim que o mercado se recuperar.
Mas o grupo que defende maior participação estatal nos investimentos públicos, liderado pelo ministro-chefe da Casa Civil, general Walter Braga Netto, insiste no Programa Pró-Brasil, que prevê R$ 215 bilhões em obras financiadas com recursos da União. E Guedes vem apontando a escassez de recursos em caixa para travar o plano.
A equipe econômica afirma que o governo já gastou R$ 1,1 trilhão para conter os danos causados pelo coronavírus na economia, e o secretário-executivo do Ministério da Economia, Marcelo Guaranys, afirmou que “falta orçamento para atacar a crise”. Por outro lado, a ala militar que prefere manter o programa de Braga Netto congelado também diz não acreditar que será possível levar adiante um plano de privatização como o proposto por Guedes e Salim.
Entre impasses e disputas internas por espaço num governo que vai ruindo a cada dia, a pesquisadora Monica De Bolle, em coluna publicada nesta quarta, 6, no jornal ‘O Estado de S. Paulo’, prevê que o Brasil está muito próximo de viver algo inédito na sua história. “Vamos enfrentar um quadro de depressão econômica, com possível queda de dois dígitos do PIB em 2020, acompanhado de um processo deflacionário”, diz a professora da Universidade Johns Hopkins (EUA).
Falência múltipla
A economista ensina que “deflações são situações de quedas generalizadas do nível de preços: não se trata da queda do preço de um ou outro bem ou serviço, mas de todos os bens e serviços”. E complementa: “Empresas perdem receita e capacidade de sobrevivência, consumidores perdem renda, governos perdem capacidade de arrecadar. A razão dívida/PIB explode. Trata-se de uma situação de falência econômica múltipla”.
“Se a inflação acima do teto é um problema, a inflação abaixo do piso, possivelmente em território negativo, é um problema de magnitude igual ou pior. Países que viveram situações deflacionárias mostram a dificuldade de quebrar esse ciclo”, continua De Bolle, que encerra em tom dramático: “Sejamos honestos: perante o abismo da deflação, todos somos iguais. Não se olha para o abismo com complacência”.
Há dois meses, em evento na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) ao lado de Bolsonaro, Guedes afirmava não haver “nada de errado” com a cotação do dólar. Naquele dia, 5 de março, a moeda norte-americana mantinha um comportamento de forte alta e havia chegado a R$ 4,66, levantando a suspeita de que poderia alcançar a marca emblemática de R$ 5,00.
Nesta quarta, 6, o dólar fechou em R$ 5,70 e bateu recorde de cotação nominal, com variação de 1,96%. Um valor nunca visto antes, que remete a outra fala de Guedes na Fiesp: “Lembra o câmbio flutuante, que flutuava entre 1,80 reais, 2,20, 2,30, 1,80? A flutuação dele agora é num nível mais alto, 3,60, 4,60. Não sabemos. É um câmbio flutuante, só que ele flutua num patamar mais alto. Se (eu) fizer muita besteira, ele pode ir para esse nível (de R$ 5,00)”, afirmou, em tom de blague, o ministro. Abre o olho, Guedes.